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Serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER como bem público para o fortalecimento e a perpetuação
Servicio de Asistencia Técnica y Extensión Rural – ATER como bien público para el fortalecimiento y perpetuación
Technical Assistance and Rural Extension Service - ATER as a public good for strengthening and perpetuation
Estudios Rurales. Publicación del Centro de Estudios de la Argentina Rural
Universidad Nacional de Quilmes, Argentina
ISSN: 2250-4001
Periodicidade: Semestral
vol. 15, núm. 31, 2025
Recepção: 24 Junho 2024
Aprovação: 02 Junho 2025
Resumo: O serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural – ATER, tem uma longa trajetória até sua regulamentação, por isso, se objetivou uma reflexão por intermédio de uma evidenciação das possibilidades de legitimá-lo como bem público no Brasil. Nesse sentido se levantou uma indagação, será que há evidências de que a ATER pode ser compreendida como um “bem público” no Brasil? Abordagem metodológica caminhou por uma pesquisa exploratória que realiza um levantamento de pesquisas e legislação so ATER e bens públicos, amparado pelo método dialético que busca discutir as informações sobre a possibilidade de ser convertida como bem público, fazendo uma conexão da a teoria da dependência da trajetória que corroboram na construção deste estudo. Discussões caminharam por normativas sobre Serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), mas para essa transformação ocorrer se faz necessário que a Administração Pública compreenda a possibilidade e necessidade dessa mudança, para que afete esta política pública e não haja restrições de recursos, já que os representantes políticos continuam a excluir a educação não formal em que o serviço de ATER se enquadra, da caracterização de bem público, que decorre da interpretação ou compreensões políticas devido a sua trajetória desde à implementação. Conclui-se por intermédio das evidências levantadas, que há plausibilidade na incorporação desse serviço como bem público, que está atrelada na compreensão de educação não formal, mas ainda necessita de estudos aprofundados.
Palavras-chave: Agricultura Familiar, Dependência da Trajetória, Extensão Rural, Política Pública, Socioeconómico.
Resumen: El Servicio de Asistencia Técnica y Extensión Rural (ATER) tiene una larga historia de regulación, por lo que el objetivo fue reflexionar sobre las posibilidades de legitimarlo como bien público en Brasil. En este sentido, surgió la pregunta: ¿existe evidencia de que el ATER pueda entenderse como un “bien público” en Brasil? El enfoque metodológico se basó en una investigación exploratoria que revisó la investigación y la legislación sobre ATER y bienes públicos, con el apoyo del método dialéctico que busca discutir información sobre la posibilidad de convertirse en un bien público, estableciendo una conexión con la teoría de la dependencia de la trayectoria que corrobora la construcción de este estudio. Las discusiones se han centrado en la regulación de los Servicios de Asistencia Técnica y Extensión Rural (ATER), pero para que esta transformación ocurra, es necesario que la Administración Pública comprenda la posibilidad y la necesidad de este cambio, para que afecte a esta política pública y no haya restricciones de recursos, ya que los representantes políticos continúan excluyendo la educación no formal, que incluye el servicio ATER, de la caracterización de un bien público, lo cual resulta de la interpretación o comprensión política debido a su trayectoria desde su implementación. Se concluye, a través de la evidencia levantada, que existe plausibilidad en incorporar este servicio como un bien público, lo cual se vincula con la comprensión de la educación no formal, pero aún requiere estudios en profundidad.
Palabras clave: Agricultura familiar, Dependencia de la trayectoria, Extensión rural, Política pública, Socioeconómico.
Abstract: The Technical Assistance and Rural Extension Service (ATER) has a long history of being regulated, so the objective was to reflect on the possibilities of legitimizing it as a public good in Brazil. In this sense, a question arose: is there evidence that ATER can be understood as a “public good” in Brazil? The methodological approach was based on exploratory research that surveyed research and legislation on ATER and public goods, supported by the dialectical method that seeks to discuss information about the possibility of being converted as a public good, making a connection with the theory of path dependence that corroborates the construction of this study. Discussions have focused on regulations on Technical Assistance and Rural Extension Services (ATER), but for this transformation to occur, it is necessary for the Public Administration to understand the possibility and necessity of this change, so that it affects this public policy and there are no resource restrictions, since political representatives continue to exclude non-formal education, which includes the ATER service, from the characterization of a public good, which results from political interpretation or understandings due to its trajectory since implementation. It is concluded, through the evidence raised, that there is plausibility in incorporating this service as a public good, which is linked to the understanding of non-formal education, but it still requires in-depth studies.
Keywords: Family farming, Path Dependency, Rural extension, Public Politics, Socioeconomic.
Introdução
A provocação para esta pesquisa, surgiu por intermédio de discussões relacionadas à gestão pública e mecanismos científicos, decorrentes da pesquisa-ação que são gerados por autarquias e entidades públicas do governo que favorecem o desenvolvimento do Brasil, seja num contexto urbano ou rural. Contudo, tais instituições do Governo Federal que atuam na pesquisa-ação, possuem “direitos” no sentido de receberem recursos públicos para sua manutenção e perpetuação das pesquisas, por estar previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - CRFB/88, no capítulo sobre a União, que trata da competência em comum (entes federativos e União) para fortalecer a pesquisa e a inovação (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988). Bem diferente é a condição do serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER que se encontra num limbo, ou seja, não é entendida como bem público ou um direito garantido/assegurado para o acesso, que favorece de forma negativa sobre a instabilidade de manutenção de recursos, mesmo sendo tratado na CRFB/88, art. 187, inciso IV, ainda se torna dependente dos planejamentos e abordagens que os gestores políticos procederem na política agrícola, ou seja, pode ser que o serviço de ATER seja estimulado ou precarizado.
Assim, torna-se mister destacar que o Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, 2023) entende o serviço de ATER como “[...] uma política que atua no cotidiano dos agricultores, construindo com eles soluções tecnológicas e organizativas para o seu trabalho”. Doutra parte, o serviço de ATER é legislado pela Lei n. 12.188 de 2010 e conforme art. 2º, inciso I, no qual se caracteriza como um “serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, [...]” (Lei n. 12.188, 2010).
Com isso, fica a cargo da Administração Pública a gestão das “entidades executoras”, ou seja, o MDA formula e supervisiona a realização da Política Nacional de ATER - PNATER e o Programa Nacional de ATER na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária - PRONATER será o instrumento de implementação dessa política, atuando este em parceria com os Conselhos Estaduais de Desenvolvimento Sustentável e da Agricultura Familiar (nomenclatura pode variar, assim como das empresas que executam a ATER), existente em cada estado para realizar o credenciamento (Lei n. 12.188, 2010), sendo que tais entidades credenciáveis nos estados também poderão ser privadas. Nesta perspectiva, observa-se que, historicamente, no Brasil, a difusão tecnológica, e de saberes, foi promovida por “instituições diversas, públicas e privadas, voltadas exclusivamente para a prestação de ATER ou com finalidades múltiplas, a exemplo de empresas públicas de extensão rural, empresas integradoras, empresas agropecuárias privadas de consultoria, cooperativas” (Pereira; Castro, p. 347), além de outras.
Assim, em vista da formulação de um olhar estruturante e abrangente, para abarcar possibilidades que auxiliem no “desenvolvimento de soluções que transcendam à prescrição quase estéril de deveres ou a simples enunciação ingênua de virtudes, tampouco se reduza o juízo da ação a um cálculo instrumental estreito, [...]” (Bergue, 2022, p. 06), que tangem sobre decisões com problemáticas complexas que estão habituados às abordagens da administração pública em detrimento de uma sociedade contemporânea (Bergue, 2022). Essa lógica se entrelaça aos dizeres de Kaul, Grunberg e Stern (2012, p. 25) de que, “adentramos numa nova era na criação de políticas públicas; uma era marcada por um número crescente de interesses que atravessam as fronteiras nacionais”, no sentido de buscar uma transformação nas políticas públicas e que sejam aplicáveis de forma ampla tanto num contexto social, quanto no econômico ou em outras áreas distintas.
Também, reverbera em certos princípios previstos na Constituição Federal do Brasil de 1988 (CF/88), referente ao bem-estar, justiça social e sobre o acesso à informação e educação (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988), pois, para o “bem-estar as pessoas precisam de ambos os bens: privados e públicos. [...]. Todavia, sabe-se que uma atividade econômica domesticamente eficaz, e o bem-estar das pessoas, requerem bens públicos apropriados” (Kaul; Grunberg; Stern, 2012, p. 41), os quais consigam acompanhar o crescente desenvolvimento econômico e as necessidades sociais que possam emergir no decorrer das ações, surgindo a necessidade de novas interpretações conexas aos bens públicos (Kaul; Grunberg; Stern, 2012).
Mas, para esse incremento dialético sobre novas interpretações e incorporações ao contexto de bem público, dependerá de qual abordagem terão os representantes políticos, ou seja, haverá uma certa dependência da trajetória (Path Dependence) e se sujeitará às abordagens pretendidas pelo governo, no trilhar de novas, ou nas reformulações de políticas socioeconômicas que podem, inicialmente, reverberar em aumento de custos (Fernandes, 2013). E, “em momentos críticos no desenvolvimento de um país, se estabelecem trajetórias amplas as quais são difíceis de reverter, mas que intrinsecamente poderão existir outros pontos de escolha para novas mudanças mais adiante” (Fernandes, 2013, p. 178). Nesse sentido, se interliga para uma reestruturação de um novo conhecimento derivado do que foi ou ainda é vivenciado que, de certo modo, será a reformulação para acompanhar o desenvolvimento da sociedade e implementação de melhorias (Bernardi, 2012).
Por fim, destaca-se que esta pesquisa vislumbrou a construção de conexões teóricas para se estabelecer argumentos acerca da problematização, a qual é: será que há evidências de que a Assistência Técnica e Extensão Rural - ATER pode ser compreendida como um “bem público” no Brasil? E para se alcançar essas evidências, se objetivou investigar conexões sobre bens públicos com serviços de ATER, em vista de dialogar sobre a dependência de sua trajetória com as influências sociopolíticas, para a perpetuação desse serviço destinado aos agricultores familiares no Brasil.
O presente estudo foi construído metodologicamente com uma base de pesquisa exploratória, para se inquirir acerca de possibilidades de evidenciações, juntamente com o emprego do método da pesquisa dialética, e dialogar com as possibilidades derivadas das transformações e de influências políticas. Assim, esta pesquisa foi estruturada em: Introdução para apresentar contexto, problematização e objetivo; Abordagens metodológicas e caracterização da construção; referencial teórico/discussões, sendo que cada tópico foi mesclando pesquisas para embasamento e teorias com as discussões sobre as evidências em cada aspecto abordado. Ao final, são apresentadas as considerações finais sobre as evidências encontradas, junto com provocações para novos estudos.
Abordagens metodológicas
Vale fazer um argumento sobre a provocação para a construção dessa pesquisa, que decorreu das análises sobre o estudo intitulado de “Is Science a Public Good?” (traduzido de forma literal para “a ciência é um bem público?”), que foi idealizado por Michel Callon (Callon, 1994). Callon (1994), fez um diálogo sobre a necessidade de dedicar parte de recursos financeiros para as pesquisas, devido à ciência ser uma fonte de diversidade para o desenvolvimento, mas para isso, enquadrou a ciência como bem público para propiciar uma certa proteção e continuidade dos repasses financeiros para essa área no decorrer dos governos.
Assim, essa pesquisa caminhou por várias áreas para fortalecer o aporte reflexivo ao proposto e se inicia com a compreensão do próprio Governo Federal sobre o serviço de ATER, conforme consta no site do Ministério do Desenvolvimento Agrário - MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, 2023) de que, é uma “política que atua no cotidiano dos agricultores construindo com eles soluções tecnológicas e organizativas para o seu trabalho”. Já, no inciso I, art. 2º da Lei n. 12.188 de 2010, vai mais longe ao postular que é um “[...] serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários” (Lei n. 12.188, 2010).
Doutra parte, a implementação da ATER fica sob responsabilidade da pessoa jurídica que teve seu credenciamento autorizado, conforme lei anterior no art. 6º em que, “[...] fica instituído, como principal instrumento de implementação da PNATER, o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária - PRONATER", juntamente com o art. 12 no qual especifica que “os Estados cujos Conselhos referidos no art. 10 desta Lei que firmarem Termo de Adesão ao PRONATER, poderão dele participar, mediante: [...] IV - a execução de serviços de Ater por suas empresas públicas ou órgãos, devidamente credenciados e selecionados em chamada pública” (Lei n. 12.188, 2010).
Nesse sentido, este estudo orienta-se por uma perspectiva mais social e semelhante ao de Callon (1994) para evidenciações, devido à finalidade deste vislumbrar uma abordagem de ampliação do conhecimento. Mas para este propósito, se optou por uma metodologia relacionada à “pesquisa exploratória”, para “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses” (Gil, 2019, p. 27). Pelo fato de as análises objetivarem, de certa forma, o desenvolvimento e esclarecimento de ideias, “tendo em vista a formulação de problemas mais precisos ou hipóteses a serem testadas em estudos posteriores” (Gil, 2021, p. 26). E para isso, se busca um aprofundamento da demanda com diálogos que permita ampliar as compreensões da temática nas discussões e nas problemáticas pertinentes, que foram possibilitadas por intermédio do evento Estudos Rurais (Rede de Estudos Rurais, 2023), ou seja, neste primeiro momento de estudos a finalidade é a ampliação do conhecimento e de evidenciações do serviço de ATER como bem público.
E para a estruturação da proposta metodológica, que se conecta com as reflexões desse estudo, vislumbrou-se o emprego do método dialético uma vez que se parte do pressuposto de que, em termos de conhecimento científico, “nenhuma coisa está ‘acabada’, encontrando-se sempre em via de se transformar, desenvolver, o fim de um processo é sempre a transformação de outro” (Marconi; Lakatos, 2006, p. 83). Que decorreu em parte de pesquisas analisadas sobre as congruências relacionadas a incorporação da ATER como bem público. Ademais, o método dialético “fornece as bases para uma interpretação dinâmica e totalizante da realidade, já que estabelece que os fatos sociais não podem ser entendidos quando considerados isoladamente, abstraídos de suas influências políticas, econômicas, culturais etc” (Gil, 2021, p. 14).
Após esse aporte teórico-metodológico inicial, se avança para uma descrição das etaps para a construção deste estudo. Então, em primeiro momento se realizou um levantamento de publicações em sites de periódicos, como Portal Periódicos CAPES: Bergue (2022); Braga, Futemma (2015); Giannattasio, Papy, Nigro (2019); Sestrem, Wöhlke (2017); e no Portal Wiley Online Library: Callon (1994); Greener (2005), com o intuito de identificar trabalhos no contexto da pesquisa.
Entretanto, até o presente momento, só se evidenciou estudos correlacionados com a temática, ou seja, se utilizou de pesquisas que convergiram no mesmo raciocínio sobre considerar determinado tema como bem público, por isso, as discussões neste estudo foram estruturadas em tópicos temáticos para melhor delineamento em conjunto com referencial teórico. Dessa forma, possibilitou uma discussão de cada assunto que favoreceu no alcance das evidenciações relacionadas à problemática sobre a possibilidade de classificar como bem público o serviço de ATER.
Já, na segunda etapa, promoveram-se discussões, conectando com as referências, seguindo uma abordagem propiciada pelo paradigma interpretativista, que foi alcançada com a incorporação do método de análise discursiva de filiação francesa (conhecido também por “disciplina de interpretação”) (Orlandi, 2012), que beneficia na ampliação das discussões decorrentes de documentos analisados, juntamente com normativas federais em conjunto com pesquisas de temas ou com abordagens semelhantes.
Em detrimento do método de análise discursiva não ficar preso no apresentado/descrito, mas por realizar uma análise sobre o que a linguagem transmite, por não se tratar unicamente da língua em si e nem especificamente da gramática, embora essas características tenham o seu valor. Este método enfoca no discurso que se apresenta, ou seja, visa refletir “sobre a maneira como a linguagem está materializada na ideologia e como a ideologia se manifesta na linguagem” (Orlandi, 2012, p. 16). Nesse linear, este método caminha visando extrair um certo sentido que os textos (normativos ou estudos) significam, “respondendo à questão como: o que este texto quer dizer? Diferentemente da análise de conteúdo, a análise de discurso considera que a linguagem não é transparente. [...]. A questão que ela coloca é: como este texto significa?” (Orlandi, 2012, p. 17).
Compreensões sobre ATER como direito
No decorrer da estruturação dessa política pública e até ser sancionada, ou seja, a trajetória para implementação dos serviços de ATER no Brasil, “[...] sempre foi fortemente influenciada por questões políticas e econômicas. Desde a primeira metade do século XX, ao menos quatro diferentes fases de ATER podem ser observadas no país” (Braga; Futemma, 2015, p. 240). E em cada momento até ser elaborada e sancionada, ocorreram mudanças nas interpretações derivadas dos conceitos do serviço de ATER, que influenciaram nas relações sobre a forma de atuação, além de derivar das reformulações institucionais para proceder a implementação e realização deste serviço, voltado às pessoas enquadradas como agricultores familiares (Braga; Futemma, 2015).
Mas, para isso, voltemos várias décadas, na segunda metade do século XX, quando as discussões sobre a temática da extensão rural no Brasil começam a tomar forma e serem inseridas em regulamentações, como o Estatuto da Terra de 1964, que tratava da implementação e da possibilidade de ser realizada, tanto por entidades públicas como privadas (Lei n. 4.504, 1964). Posteriormente, é tratado no art. 187 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sobre a política agrícola ser planejada e executada na forma da lei, que engloba de forma literal em seu inciso IV sobre Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER), como uma das prerrogativas para o desenvolvimento do meio rural (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988). Ademais, dentro desse contexto de Política Agrícola que é legislado pela Lei n. 8.171 de 1991, sancionado após a CF/88, incorporou a ATER em seu corpo normativo que possibilitou a “permanência” desse serviço, conforme art. 4º, inciso III, art. 12 e arts. 16 a 18 (Lei n. 8.171, 1991).
Vale incorporar, também, nesse caminhar legislativo que o Poder Público assumiu essa responsabilidade ao incorporar a temática da ATER na CF/88 e, por transcrever de forma clara e expressa na Lei de Política Agrícola em seu artigo 17 que, o “Poder Público manterá serviço oficial de assistência técnica e extensão rural, sem paralelismo na área governamental ou privada, de caráter educativo, garantindo atendimento gratuito aos pequenos produtores e suas formas associativas” (Lei n. 8.171, 1991), ou seja, o serviço de ATER será mantido pela entidade pública. Assim como no artigo 16 no qual orienta que se buscará, por intermédio da ATER, soluções adequadas aos problemas das pessoas beneficiárias (Lei n. 8.171, 1991).
Adicionalmente, destaca-se uma observação derivada do art. 17, no qual, consta a preposição “sem”, que foi empregada na frase (separada por vírgulas) “[...], sem paralelismo na área governamental ou privada, [...]” (Lei n. 8.171, 1991). Assim, o emprego dessa preposição “sem” favorece a interpretação dos autores deste estudo que, a entidade governamental assumirá a responsabilidade de manutenção dessa política de ATER para agricultores familiares, sem impedir que outras instituições com personalidade jurídica privada atuem. Nesse sentido, o Governo “deverá” fomentar e fornecer o serviço de ATER de forma gratuita, sem impedir as instituições privadas de executarem este serviço de ATER de forma onerosa.
E, com essa abordagem advinda do quadro institucional sobre a ATER, se ter a perspectiva de perpetuação “obrigatória”, se avança para a abordagem da Lei n. 12.188 de 2010 que passou a tratar de forma mais expressa este tema, além de incorporar que para a implementação da ATER, se fazem necessários certos requisitos para credenciamento das entidades responsáveis (pessoas jurídicas), para sua implementação em cada estado brasileiro (Lei n. 12.188, 2010).
Mas, conforme interpretações decorrentes da Lei n. 12.188/2010 nos arts. 15 e 19, juntamente com o Decreto n. 7.215/2010 nos arts. 3 e 10, há a possibilidade de pessoas jurídicas como empresas públicas ou privadas, ou sociedade de economia mista ou outra entidade sem fins lucrativos, para à realização dos serviços de ATER, devido às normativas deixarem em aberto desde que se enquadrem nos requisitos para credenciamento (Lei n. 12.188, 2010; Braga, Futemma, 2015).
Contudo, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável - CONDRAF deixa de existir em 2019 devido ao Decreto n. 9.784 que revogou a vigência da normativa de sua criação, juntamente com outras instâncias que implementavam comissões e departamentos. Com isso, acabou por consequência a extinguir este junto com outros órgãos, que prejudicou a distribuição de recursos para a ATER dos estados pelo Governo Federal, já que ficava a cargo do CONDRAF as deliberações e coordenação, conforme art. 8º da PNATER (Lei n. 12.188, 2010). Entretanto, depois de quatro anos de extinção do CONDRAF, em 2023 é sancionado o Decreto n. 11.451 que “Instituiu o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável” e retornando no acompanhamento da Política Nacional de ATER (Decreto n. 11.451, 2023).
Assim, essas características sobre credenciamento estão relacionadas ao viés da implementação da ATER, que é o oferecimento de serviços de “educação não formal” e que deve ser continuado, para a população do meio rural conforme exposto no art. 2º, inciso I da PNATER (Lei n. 12.188, 2010). Nesse sentido, se relaciona o artigo 213 que trata da disponibilização de recursos públicos para essas entidades “sem fins lucrativos”, como é o caso das empresas públicas de ATER, assim como o parágrafo 2º deste artigo, que normatiza sobre educação profissional que possibilita o recebimento de apoio financeiro da União (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988), e tal abordagem está interligada com o objetivo da ATER de promover a profissionalização dos beneficiários (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988; Braga, Futemma, 2015). Em detrimento da educação não formal também atingir objetivos, mas de forma diferenciada, além de empregar metodologias de didáticas diversificadas para difusão do conhecimento, conforme ensinamentos de Rubem Alves e Paulo Freire (Quadra; Ávila, 2016).
Tais análises evidenciam que as abordagens de ATER se interligam com o princípio constitucional sobre direito ao acesso à educação, sendo este considerado como bem público. Ainda, se faz mister mencionar que essa atividade também favorece ao amparo de outro princípio constitucional que é o bem-estar social, já que por meio da educação não formal irá auxiliar na instrumentalização e troca de conhecimentos, para os beneficiários alcançarem uma vida mais digna, como também ascenderem ao desenvolvimento. Contudo, a ATER ainda continua sendo interpretada como um simples serviço a ser implementado no meio rural.
A trajetória da ATER, no Brasil, revela sua constante influência por fatores políticos e econômicos, desde sua concepção até sua regulamentação como política pública. Inicialmente prevista no Estatuto da Terra de 1964 e fortalecida pela Constituição de 1988, a ATER consolidou-se como um serviço essencial para agricultores familiares, garantindo assistência técnica gratuita e de caráter educativo. Ao longo dos anos, diversas legislações e decretos moldaram sua estrutura, permitindo a participação de entidades públicas e privadas na prestação do serviço. No entanto, sua implementação enfrentou desafios, como a extinção do CONDRAF em 2019, que afetou a distribuição de recursos até sua recriação em 2023. Apesar do reconhecimento da educação não formal como instrumento de inclusão e desenvolvimento, a ATER ainda luta para ser plenamente compreendida como bem público, essencial para o fortalecimento da agricultura familiar e para o bem-estar social.
Administração pública num contexto sociopolítico
Nesta etapa da pesquisa, “estudos relacionando a filosofia e a administração pública, têm emergido sinalizando o singular potencial transformador do fazer filosófico, na busca de precisão conceitual e no refinamento da capacidade crítica, [...] (Bergue, 2022, p. 04), que conflui “tanto para o trato dos problemas de pesquisa, quanto para as tomadas de decisão e ações de governo” (Bergue, 2022, p. 04).
E essas ações de governo, devem estar pautadas em princípios constitucionais para uma adequada gestão, vislumbrando o devido atendimento populacional, em que pese o bem-estar social. Neste sentido, “não é incomum que ética e moral sejam conceitos mal compreendidos ou confundidos entre si, em seus precisos significados. Ética e moral são conceitos distintos, ainda que intrinsecamente relacionados” (Bergue, 2022, p. 05). Desta forma, vale dizer que a “ética é o ramo da filosofia que se ocupa de questões envolvendo o exame das crenças e valores com seus fundamentos. A moral é o objeto da ética, referindo-se ao arranjo de valores, normas e costumes que moldam o comportamento em dado contexto” (Bergue, 2022, p. 05).
E, para a melhoria “substantiva das práticas íntegras de administração pública, voltadas para a sociedade e orientadas pelo interesse público, envolve o constante repensar essencial e a subsequente produção de conceitos devidamente contextualizados” (Bergue, 2022, p. 08). Esta perspectiva se interliga com as reflexões de Manzatto (2019, p. 40), derivadas de Mariana Mazzucato que, “defende a importância da criação de novas estruturas organizacionais, isso é, novas instituições públicas flexíveis, com objetivos específicos voltados para o fomento e o desenvolvimento da economia verde”. Tais citações se conectam no sentido de a Administração Pública necessitar de constante transformações, para atender a sociedade em seu desenvolvimento, assim como em questões sustentáveis, que é derivado de pesquisas científicas e tecnológicas, mas também de estudos sociais e políticos (Brito, Oliveira, Castro, 2012; Manzatto, 2019; Bergue, 2022). Ademais, quanto mais informações forem disponilizadas aos agricultores familiares por intermédio da Assistência Técnica e Extensão Rural também possibilitarão a modernização com meios sustentáveis, sem desvalorizar questões culturais.
E essas transformações não são por acaso, mas algo importante e necessário para Governos que estejam avançando e buscando o bem-estar social de sua população, como num todo (Sestrem; Wöhlke, 2017), que reflete o estudo de Sestrem e Wöhlke (2017, p. 30) sobre as concepções e formulações relacionadas às execuções de políticas públicas pelo Estado, devido “[...] tal cenário decorrer do processo de reconfiguração do Estado nacional, pois no contexto de globalização, percebe-se o surgimento de novas formas de autoridade, que atuam fora do modelo tradicional da soberania estatal”. Contudo, o Brasil ainda é lento nessas transformações, como no caso de sua Administração Pública Federal interpretar e incorporar a “educação não formal” (abordada pela Política Nacional de ATER) como um bem público, mesmo esta abordagem buscar o favorecimento da população rural, que neste caso são agricultores familiares.
Entretanto, vale fazer uma observação que a própria CF/88, não detalha essa distinção entre educação formal, informal e educação não formal, simplesmente emprega a terminologia “educação” em várias partes da constituição, assim como na parte do “Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” que compõe a parte final da CF/88 (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988) e em detrimento dessa generalização da terminologia “educação”, que acaba por englobar como num todo, sem distinção do tipo de educação (formal, informal ou não formal), para o enquadramento como bem público no caso do serviço de ATER, por tratar da educação de maneira não formal.
Assim, para que haja melhorias na qualidade da educação no campo e valorização dos saberes educacionais não formais, são necessários avanços significativos por parte da Administração Pública para se atingir essas necessidades (Lacerda, Tôrres, Alves, & Vieira, 2022). Esses avanços possibilitarão um caminhar por uma desconstrução das barreiras derivadas de pensamentos conservadores, para enobrecer os conhecimentos decorrentes de gerações, movimentos sociais, como também os saberes e fazeres das pessoas que trabalham e vivem no campo, para favorecer uma inclusão dessas pessoas e principalmente desses agricultores familiares (Brito, Oliveira, Castro, 2012; Lacerda et al., 2022).
Mas tal transformação e valorização da educação não formal caminha não só por parte da Administração Pública, como também deriva de mudanças relacionadas à formação de professores e profissionais categorizados como extensionistas, para uma melhor adequação dos conteúdos ministrados ou instruídos aos beneficiários dos serviços de assistência técnica e extensão rural, vislumbrando a promoção do acesso aos bens econômicos, sociais e políticos (Brito et al., 2012; Lacerda et al., 2022).
Mas, como dito antes, o Brasil ainda é lento nas transformações e reconfigurações relacionadas à Administração Pública, principalmente no sentido de enquadrar a educação não formal como bem público para fomentar maior acessibilidade às informações pelos agricultores familiares, que estimularia obtenção de conhecimento e desenvolvimento. Esta perspectiva vai de encontro ao estudo de Pereira e Castro (2022), para quem as transformações nas últimas décadas sobre os serviços de extensão rural ao redor do mundo, são derivadas de alguns fatores que estão interligados com a trajetória vislumbrada pela Administração Pública e, intrinsicamente interligada aos investimentos públicos para continuidade desse serviço. Ademais, nos últimos anos vem ocorrendo expressivas reduções de recursos financeiros federais para a ATER e, em detrimento disso, sucateando as instituições que prestam este serviço no interior dos respectivos estados e nos municípios (Brito et al., 2012; Pereira; Castro, 2022).
A relação entre filosofia e administração pública destaca o papel fundamental da reflexão crítica na tomada de decisões governamentais. A busca por uma gestão pautada na ética e na moral fortalece o atendimento populacional e o bem-estar social. A necessidade de adaptação da administração pública à modernização e à sustentabilidade evidencia a importância da educação não formal, especialmente no contexto da ATER. No entanto, a falta de reconhecimento da educação não formal como bem público no Brasil dificulta sua implementação eficaz. A superação de barreiras conservadoras e o investimento em formação de extensionistas são essenciais para garantir inclusão e acesso à informação. Além disso, desafios como a redução de investimentos na ATER fragilizam sua estrutura e impacto no meio rural. O avanço da administração pública nesse sentido é crucial para impulsionar o desenvolvimento sustentável e ampliar a acessibilidade aos agricultores familiares.
Reflexões sobre Path Dependence (Dependência da Trajetória)
Antes de iniciar os diálogos desse tópico relacionado ao serviço de ATER, se faz uma contextualização do surgimento de “Path Dependence”. Tal teoria deriva de estudos por Brian Arthur e Paul A. David no início da década de 1990, decorrente de pesquisas em que estes empregaram a respectiva teoria, para respaldar críticas que abordavam a eficiência da teoria econômica neoclássica (Bernardi, 2012; Fernandes, 2013). Brian Arthur argumentou em suas pesquisas que entre “duas ou mais alternativas não necessariamente prevaleceria a mais eficiente em condições de retornos crescentes, nas quais um aumento na aplicação de uma tecnologia, bem como um aumento na produção ou na distribuição de um produto, [...]” (Bernardi, 2012, p. 140). Tal argumento refere-se ao contexto de que, mesmo uma estratégia sendo mais benéfica no sentido de favorecer no desenvolvimento socioeconômico de maneira mais eficiente, se deve levar em consideração as condições das pessoas, que no caso deste estudo são agricultores familiares, se conseguirão acessar a política pública ou alternativa tecnológica (Bernardi, 2012; Fernandes, 2013).
Mas também há estudos realizados em 1971 por David, sobre o fracasso das primeiras colheitadeiras mecanizadas utilizadas no Reino Unido no século XIX, cujas variáveis que implicaria nesse fracasso seriam a tecnologia empregada na região, forma de cultura e procedimentos (Bernardi, 2012). Adicionalmente, isso decorreu devido à irreversibilidade dos investimentos para tal projeto ou tecnologia e não em detrimento dos retornos crescentes, sendo o cerne do “path dependence” (Bernardi, 2012; Fernandes, 2013). Portanto, a “adoção de uma tecnologia ou de um produto intensivo em conhecimento, pode também ser caracterizada por efeitos de aprendizagem além da redução do custo marginal, à medida que aumenta a produção e os custos fixos são amortizados” (Bernardi, 2012, p. 143).
Assim, a incorporação da “dependência da trajetória” que teve origem no campo da economia, acabou por reverberar em estudos de outras áreas, como na História, Sociologia e Ciências Políticas (sendo está relacionada à presente pesquisa), até o momento (Fernandes, 2013). Contudo, é pertinente destacar que foi graças a Paul Pierson em seus estudos científicos que propagou tal teoria e características conceituais, no decorrer da segunda metade do século XX (Greener, 2005). Assim, apresentar um conceito deste torna-se deveras desafiador devido à sua empregabilidade em várias áreas, como é o caso de sua abrangência nas Ciências Sociais, que influiu variações e, de certa forma, favoreceu a incorporação em inúmeros estilos de pesquisa (Greener, 2005; Bernardi, 2012).
A teoria da dependência da trajetória, busca uma “análise dos fenômenos políticos que é desenvolvida a partir dos fatores que, num dado momento histórico, determinam sequencias político-institucionais e influenciam decisivamente nos resultados das políticas públicas em determinado país” (Fernandes, 2013, p. 178). E, na política, para obtenção de certos resultados ou ações, se fica dependente das relações oriundas de políticos considerados como atores, “o que gera uma necessidade de ação coletiva seja para obter bens públicos, para exercer influência política sobre o Estado na produção de leis, ou mesmo, para obter um resultado do tipo winner-take-all, como uma vitória eleitoral” (Bernardi, 2012, p. 152).
Assim, essas análises sobre as trajetórias políticas possibilitam compreender os fenômenos ou fatores decorrentes dessas abordagens derivadas de atitudes políticas dos representantes políticos, como também pelas implicações dos movimentos sociais que exercem certa influência, que oscilam em detrimento dos enfoques dados pelos gestores da administração pública e resultam em determinadas atitudes num país (boas ou ruins), dependendo da trajetória que se seguirá. E, por isso, a necessidade do engajamento dos movimentos sociais ou de ações coletivas para instigar os representantes do país na produção de ações (por intermédio de leis, programas, órgãos, ou políticas públicas), mas acaba ocasionando certo oportunismo, no sentido desses políticos se utilizarem dessas questões para transmitirem uma personalidade de como se tivessem preocupação pelas ações coletivas para obtenção de bens públicos, mas, na verdade, é para angariamento de votos para obtenção de vitória eleitoral (Bernardi, 2012).
Com esse aporte informativo que se interliga com os serviços de ATER, em detrimento das instituições no decorrer de seu desenvolvimento e estruturação, para ampliação no critério de amparo dos beneficiários, acabam concomitantemente sofrendo modificações mais “benéficas” (nem sempre) no decorrer do tempo, incorrendo em vários desdobramentos no que tange à acessibilidade e procedimentos (Cerqueira, 2016). E no caso do serviço de ATER, não é diferente, já que está numa fase de reestruturação vislumbrável na sua conversão, no sentido de deixar de ser influenciável ou variável, devido à dependência dos posicionamentos políticos, que favorecem negativamente sua trajetória de ampliação, para ser classificada como bem público. Tal abordagem se interliga com reflexões sobre mudanças de compreensões institucionais de Greener (2005), Fernandes (2013), Cerqueira (2016).
E devido à teoria da dependência da trajetória, que remete ao dialogado sobre a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural estar intrinsicamente dependente dos repasses financeiros, já que não há quantificação ou percentagem para realização dos repasses financeiros para as entidades públicas que prestam o serviço de ATER, que se conecta novamente à dependência das atitudes dos representantes políticos, podendo ter uma ampliação ou restrição de valores, assim como melhoramento das entidades prestadoras (quadro de funcionários públicos, infraestrutura e meios para os profissionais denominados de extensionistas realizarem suas atividades). Pois, como arguido anteriormente, a proposta do serviço de ATER está voltada à geração de conhecimento e instrução por meio da educação, só que de maneira não formal. E, talvez, pela maneira de geração de conhecimento que no decorrer de sua trajetória legislativa, que não tenha favorecido para que este serviço fosse enquadrado como bem público.
A teoria da dependência da trajetória ("Path Dependence") explica como decisões passadas influenciam processos futuros, mesmo quando alternativas mais eficientes estão disponíveis. Esta teoria, inicialmente, criticava aspectos da economia neoclássica, demonstrando que fatores históricos podem limitar escolhas atuais. No contexto político, ela revela como políticas públicas e instituições se tornam reféns de trajetórias estabelecidas, dependendo das decisões de atores políticos e do engajamento social. Aplicada ao serviço de ATER no Brasil, evidencia como mudanças institucionais são impactadas por interesses políticos e pela disponibilidade de repasses financeiros. Apesar de sua importância para agricultores familiares, a estrutura da ATER ainda sofre influência das disputas políticas, dificultando sua consolidação como um bem público. A compreensão dessa teoria permite refletir sobre os desafios para garantir políticas mais estáveis e inclusivas.
ATER como bem público e sua inter-relação
Nesta fase, se lança nas reflexões inter-relacionais, com abordagens dialogando sobre “bem público” e as influências sobre educação não formal, que se relacionam com “os tempos de crise que vivemos e que nos obrigam a pensar, mais do que apenas no futuro Estado Social, mas na função social do serviço público que está confiado à sociedade em que vivemos” (Martins, 2014, p. 493). Em decorrência disso, “um bem público é da esfera da solidariedade e da responsabilidade de todos, conformando o capital comum e imprescindível para a existência humana” (Sobrinho, 2013, p. 113). Que se conecta com os serviços de ATER, ao beneficiar agricultores familiares nas mais diversas precárias condições socioeconômicas, podendo ser considerada como a iniciadora nas condições de desenvolvimento e essencial para a resiliência dessas pessoas.
Todavia, nas análises para compreensão do bem público, acabou-se por constatar uma interpelação sobre seus pressupostos em um estudo (conexo com parágrafo anterior), sendo: “bens públicos puros: o bem público ideal possui duas qualidades principais: seus benefícios são a não rivalidade no consumo e a não exclusão” (Kaul; Grunberg; Stern, 2012, p. 42); já o outro seria “bens públicos impuros: poucos bens são totalmente públicos ou totalmente privados. A maioria possui benefícios mistos” (Kaul; Grunberg; Stern, 2012, p. 43). Agora em reflexão tangente a “não rivalidade e não exclusão”, é que o bem público assim como uma placa de trânsito, pode ser utilizada por todos sem exclusão de pessoas e isso, impede que alguns apropriem-se dessa placa por não haver rivalidade de consumo (Giannattasio; Papy; Nigro, 2019). Como no serviço de ATER, que não pode ter exclusão de agricultores familiares e as empresas prestadoras não podem visar lucro, que barra o surgimento do contexto da rivalidade.
Dialogando com o conceito de "externalidade" juntamente com a ideia de que uma instituição jurídica, como uma empresa, possui autonomia para atuar, mas nem sempre arca integralmente com os custos de suas ações. Isso gera impactos socioeconômicos que influenciam diretamente o bem-estar dos beneficiários (Callon, 1994; Kaul, Grunberg, Stern, 2012; Giannattasio, Papy, Nigro, 2019). Diferente do caso das empresas públicas no Brasil que neste caso não visão lucros, ou seja, sem fins lucrativos (Brasil, 2010). Nesse contexto, o serviço de assistência técnica e extensão rural (ATER) no Brasil, vinculado ao parágrafo anterior, é estruturado por empresas públicas e realizado por profissionais chamados extensionistas. Esses especialistas atuam junto aos agricultores familiares, conforme regulado pelo Decreto n. 8.252 de 2014 e pela Lei Federal n. 12.897 de 2013, por meio da Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER).
A PNATER passa a ser referência no serviço de ATER no Brasil voltada para uma educação não formal no meio rural, de caráter continuado, com o foco na promoção de uma extensa gama de atividades, nas quais citam-se os processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, incluindo neste rol as atividades agroextrativistas, florestais e artesanais (Sousa; Pôrto Júnior, 2022, p. 02).
Assim como Callon (1994), afirma que a ciência pode ser considerada como bem público, devido uma ser complementar à outra, no sentido de proliferar e reconfigurar as condições necessárias para execução, ou seja, as atitudes para sua legitimidade referente ao pesquisado. Assim, como nas atividades extensionistas idealizadas por meio da ATER como uma forma de educação informal, a qual não é algo concreto ou que possa ser tocado que se assemelha à ciência em si, sendo então a educação informal amparada ou fomentada por estas empresas públicas executoras de ATER, que não visam fins lucrativos e com isso se espera que não ocasione impactos socioeconômicos ou exclusões de pessoas que neste caso se enquadram como agricultores familiares (Brasil, 2010; Kaul; Grunberg; Stern, 2012; Sousa; Pôrto Júnior, 2022).
Da mesma forma que o conhecimento derivado da educação não formal, idealizado pelo serviço de ATER, propiciado pelos direitos públicos e sociais para abarcar um processo de desenvolvimento, que se entrelaça com agricultores familiares junto com a construção de sua autonomia pessoal. “O conhecimento é mais que nunca a principal matéria prima do desenvolvimento econômico” (Sobrinho, 2013, p. 125). Da mesma forma que, “não se pode aceitar a crença do progresso infinito produzido pela ciência, também não se há de crer que se vai resolver a problemática da pobreza e das injustiças sociais, somente pela ampliação das matrículas em educação superior” (Sobrinho, 2013, p. 125), por isso que se faz pertinente o amparo para essas modalidades de educação não formal (Sobrinho, 2013; Quadra, 2016).
Por fim, o conceito de bem público está diretamente relacionado à solidariedade e à responsabilidade coletiva, sendo essencial para o desenvolvimento social. No contexto da ATER, o bem público se manifestaria ao apoiar agricultores familiares em situações precárias, promovendo resiliência e autonomia. A educação não formal oferecida pela ATER reforça esse papel, pois possibilita aprendizado contínuo e atividades produtivas sustentáveis. Além disso, o serviço de ATER é estruturado por empresas públicas sem fins lucrativos, garantindo acesso universal e evitando exclusões socioeconômicas. Callon (1994) compara ciência e bem público, destacando que a difusão do conhecimento contribui para o avanço social. Dessa forma, a PNATER se torna referência na promoção de uma educação acessível no meio rural, fortalecendo a autonomia dos agricultores e ampliando as oportunidades de desenvolvimento sustentável.
Considerações finais
Após as discussões, objetivando uma reflexão que perpassou por tópicos (administração pública num contexto sociopolítico, dependência da trajetória e bem público) que se acreditou darem legitimação a compreensão da possibilidade da ATER ser enquadrada como bem público, que possibilitará sua perpetuação e reestruturação, através deste estudo provocativo. Ocasionado pela indagação que foi, será que há evidências de que a ATER pode ser compreendida como um “bem público” no Brasil?
Este estudo possibilitou a identificação de normativas que regulam o serviço de ATER ser importante e essencial, para possibilitar, em parte, a implementação da política agrícola e desenvolvimento rural, juntamente com reflexões sobre a necessidade e a importância da educação não formal como se aborda na Política Nacional de ATER. Ademais, a administração pública deixa em aberto a necessidade de mudanças nas teorias para vislumbrar o progresso e a redução da pobreza, mas se apresenta de certa forma dependente da trajetória que irá se seguir ou será almejada pelas abordagens políticas, devido as influências aos quais estão sujeitas aos posicionamentos políticos.
Contudo, a trajetória da ATER no Brasil revela sua importância na promoção do desenvolvimento sustentável e na inclusão social de agricultores familiares. Desde sua regulamentação, sua implementação tem sido influenciada por fatores políticos e econômicos, tornando sua continuidade dependente de decisões governamentais e repasses financeiros. A relação entre administração pública e filosofia evidencia a necessidade de uma gestão orientada pelo interesse público, promovendo equidade e acesso ao conhecimento. No entanto, o Brasil ainda apresenta desafios na consolidação da educação não formal como um bem público, dificultando sua ampliação e fortalecimento institucional.
E a teoria da dependência da trajetória mostra como escolhas políticas anteriores impactam diretamente a configuração da ATER, tornando sua estrutura vulnerável a mudanças institucionais e oscilações no financiamento. A extinção e posterior recriação do CONDRAF ilustram essa instabilidade, afetando a distribuição de recursos e a efetividade do serviço. Ao mesmo tempo, a legislação brasileira reconhece o direito à educação, mas sem distinção clara entre modalidades, o que dificulta a valorização da educação não formal no campo.
Ainda, vale ressaltar que a valorização da ATER exige avanços na formação de extensionistas, maior reconhecimento de sua relevância e investimento contínuo para garantir acesso à informação e tecnologias sustentáveis aos agricultores. Superar barreiras conservadoras na administração pública é essencial para assegurar sua consolidação como serviço essencial e permanente. Assim, o fortalecimento institucional da ATER e sua desvinculação de interesses políticos podem garantir maior estabilidade e eficácia na promoção do conhecimento e do bem-estar social no meio rural. O reconhecimento definitivo da educação não formal como bem público fortaleceria a autonomia dos agricultores e impulsionaria o desenvolvimento sustentável, permitindo que políticas voltadas ao campo fossem mais inclusivas e eficientes
Todavia, ainda se necessita de estudos aprofundados sobre esta possibilidade de interpretação, assim como sobre suas influências nas atuais políticas públicas brasileiras e se esta interpretação da ATER ser enquadrada como bem público ocasionaria alguma influência nas distribuições de recursos financeiros federais. Adicionalmente, é bem-vinda uma sistematização das proposições para a sociedade acadêmica, representantes políticos e uma abertura para futuras pesquisas.
Agradecimento
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001, para doutoramento no Brasil.
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