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Marketing ecossocial: uma abordagem para avaliar a comercialização de cestas agroecológicas

Marketing ecosocial: un enfoque para evaluar la comercialización de canastas agroecológicas

Ecosocial marketing: an approach to evaluate the commercialization of agroecological baskets

Anderson Luís do Espírito Santo
UFMS, Brasil
Edgar Aparecido da Costa
UFMS, Brasil
Laura Aparecida da Silva do Prado
UFMS, Brasil

Estudios Rurales. Publicación del Centro de Estudios de la Argentina Rural

Universidad Nacional de Quilmes, Argentina

ISSN: 2250-4001

Periodicidade: Semestral

vol. 13, núm. 28, 2023

estudiosrurales@unq.edu.ar

Recepção: 20 Março 2023

Aprovação: 06 Setembro 2023



Resumo: Este trabalho reconhece a importância da agroecologia para a inclusão produtiva rural, especificamente para a inclusão de agricultores familiares que vivem em assentamentos rurais de reforma agrária, pois, em geral, suas atividades se enquadram no circuito curto de comercialização. Assim, o objetivo desse estudo qualitativo é avaliar a satisfação dos consumidores das cestas agroecológicas ofertadas pelo Grupo de Agricultores Agroecológicos Bem-Estar (Ladário/Brasil), com base nas ferramentas de marketing. Os resultados apontam tanto para uma série de ações que podem contribuir para o fortalecimento desse grupo, quanto para uma discussão em torno do marketing ecossocial, uma abordagem que se inicia dentro da sociedade capitalista, permitindo uma mudança de dentro para fora, privilegiando a melhoria da qualidade de vida da comunidade e do meio ambiente.

Palavras-chave: Estratégias de marketing, Cestas agroecológicas, Marketing ecossocial, Inclusão produtiva rural, Agroecologia.

Abstract: This work recognizes the importance of agroecology for the rural productive inclusion, specifically for the inclusion of family farmers who live in rural settlements of agrarian reform because, in general, their activities fall within the short circuit of commercialization. The objective of this study is to evaluate the satisfaction of consumers of the agroecological baskets offered by the Group of Well-being Agroecological Farmers (Ladário/Brazil), based on marketing tools. The results point both to a series of actions that can contribute to the strengthening of the group, and to a discussion around ecosocial marketing, an approach that starts within capitalist society, allowing a change from the inside to the outside, privileging the improvement of quality of life for the community and the environment.

Keywords: Marketing strategies, Agroecological baskets, Ecosocial marketing, Rural productive inclusion, Agroecology.

Resumen: Este trabajo reconoce la importancia de la agroecología para la inclusión productiva rural, específicamente para la inclusión de los agricultores familiares que viven en asentamientos rurales de reforma agraria porque, en general, sus actividades se enmarcan en el circuito corto de la comercialización. El objetivo de este estudio cualitativo es evaluar la satisfacción del consumidor con las canastas agroecológicas ofrecidas por el Grupo de Agricultores Agroecológicos Bem-Estar (Ladario/Brasil), a partir de herramientas de marketing. Los resultados apuntan tanto a una serie de acciones que pueden contribuir al fortalecimiento del grupo, como a una discusión en torno al marketing ecosocial, enfoque que parte de la sociedad capitalista, permitiendo un cambio de adentro hacia afuera, privilegiando la mejora de la calidad de vida para la comunidad y el medio ambiente.

Palabras llave: Estrategias de marketing; Canastas agroecológicas; marketing ecosocial; inclusión productiva rural; Agroecología.

INTRODUÇÃO

O acesso à terra, através da criação de assentamentos rurais de reforma agrária, é fator chave para que ocorra um pleno desenvolvimento rural (econômico, social, justo e equitativo) entre as populações sem terra. Contudo, segundo Santo (2021), nem sempre esse feito se revela em inclusão produtiva rural, afinal, o acesso à terra no assentamento rural 72, localizado em Ladário (Mato Grosso do Sul, Brasil), município onde foi realizada esta pesquisa, não impediu que outros desafios surgissem, como o acesso à água (já que a maior parte não tem acesso à água e, quando o tem, é água salobra1); à assessoria técnica (parte das famílias não sabem produzir e não tem recebido apoio técnico nesse sentido); e o apoio social (uma vez instalados no município, essas famílias demandam construção de escolas, postos de saúde, acesso a lazer e cultura, outros; o que nem sempre é atendido). Nisso, os desafios para as famílias que vivem na zona rural vão se intensificando em razão do não atendimento dessas demandas.

Importante destacar desde já, que este trabalho compreende a inclusão produtiva rural a partir da Fundação Arymax (2021) e da World Without Poverty – WWP (2021), ou seja, enquanto inclusão de pessoas e suas famílias em situação de vulnerabilidade econômica no mundo do trabalho, diminuindo dessa forma a exclusão social e aumentando a produtividade do país. Não se trata de assistencialismo (Cazella et al., 2016), política que prevê ajuda social aos agricultores familiares não os integrando as agendas de trabalho das atividades produtivas (exemplo, Bolsa Família). As políticas assistencialistas são necessárias e de grande valia, contudo, devem ser acompanhadas de políticas que priorizam a inclusão produtiva, pois possibilitam às famílias rurais conquistarem maior autonomia ao longo do tempo.

Para impulsionar a inclusão produtiva rural, uma série de políticas públicas de desenvolvimento rural foi surgindo nas últimas décadas, com o objetivo de promover o acesso a mercados, principalmente às compras públicas, como forma da erradicação da pobreza (Cazella et al., 2016). Duas políticas principais são o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), Lei nº 10.696/2003, que busca incentivar a agricultura familiar por meio da dispensa de licitação (compras públicas); e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), Lei nº 11.947/2009, que busca promover a alimentação escolar saudável e nutricional através do desenvolvimento da agricultura familiar, foco do programa.

No entanto, desde 2016, vivemos o desmantelamento de várias políticas públicas e o avanço da pobreza e da extrema pobreza no país (Santo, 2021). Endurecendo essa realidade, tivemos ainda a expansão da Covid-19 pelo Brasil rural e interiorano que, desde 2020, afetou diretamente as famílias rurais, pois grande parte delas vive da economia local que foi fechada/paralisada a maior parte dos anos de 2020 e 2021. Isso ocorreu, por exemplo, com as feiras livres de Ladário e Corumbá (cidade vizinha, distante a 5 km), que ficaram paralisadas por nove meses e, quando retornaram, tiveram suas atividades reduzidas até meados de 2021. Já as feiras institucionais, àquelas que ocorrem dentro da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Pantanal) e do Instituto Federal de Mato Grosso do Sul (IFMS), também foram paralisadas, devido à adoção do trabalho remoto e das aulas à distância.

Soma-se a essas questões sociais o fator ambiental. No Pantanal Sul, onde foi realizada essa pesquisa, o processo de modernização agrícola tem transformado a realidade da população rural e do meio ambiente. O uso de agrotóxicos vem se intensificando em Mato Grosso do Sul (Moraes, 2019). Contudo, a resistência emerge e, desde 2015, o Grupo de Agricultores Agroecológicos Bem-Estar (Gaabe), formado por famílias do Assentamento 72 que vivem próximo à Área de Proteção Ambiental (APA) Baía Negra, vem intensificando a produção agroecológica na região, com apoio da Embrapa Pantanal e da UFMS (Costa e Feiden, 2020).

Além de acesso ao mercado via políticas públicas, desde 2020, em decorrência da pandemia, o Gaabe criou e intensificou as Cestas Agroecológicas, que contém vários produtos cultivados e produzidos por seus componentes, ofertado através de listas semanais enviadas por WhatsApp, onde o consumidor tem a possibilidade de escolher quais produtos deseja. Todos os sábados pela manhã, esse consumidor recebe a cesta em sua casa. Mas quais produtos são ofertados e a quais preços? Há produtos concorrentes ou substitutos na região? Se sim, quais os preços praticados? Será que os consumidores estão satisfeitos com as cestas agroecológicas recebidas? Esses consumidores realmente entendem como funciona o sistema agroecológico e sua importância para a sua saúde, para a inclusão produtiva das famílias do Gaabe e para a preservação do Pantanal?

Diante desses questionamentos, este estudo tem por objetivo avaliar a satisfação dos consumidores das cestas agroecológicas ofertadas pelo Gaabe, com base nas ferramentas de marketing (4P's – produto, preço, promoção e praça – discutidas mais adiante) visando o fortalecimento da inclusão produtiva rural. Os objetivos específicos buscam identificar a percepção dos consumidores sobre os produtos agroecológicos; e analisar a variedade de produtos ofertados e seus preços, comparando-os com produtos substitutos e/ou concorrentes ofertados no mercado local.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta pesquisa se configura como uma abordagem qualitativa, de caráter exploratório e descritivo, pois, fundamentado em Flick (2004), tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito. Assim, os dados foram obtidos através da articulação de pesquisa exploratória (bibliográfica e documental) e descritiva (questionário), sendo analisados à luz do arcabouço teórico deste trabalho.

Este trabalho foi iniciado com a pesquisa exploratória que, segundo Mattar (2001, p. 85), “é apropriada para os primeiros estágios da pesquisa, pois visa prover o pesquisador de um maior conhecimento sobre o tema ou problema em perspectiva”. Consoante a este autor, essa etapa ocorreu em duas frentes de trabalho: o levantamento bibliográfico (em livros, artigos científicos, teses e dissertações) que permitiu maior aprofundamento das palavras-chave desse estudo, gerando o referencial teórico; e o levantamento documental (em matérias jornalísticas locais, em leis e políticas públicas e em pesquisas já realizadas, como as do Boletim de Preços de Hortifrúti da Fronteira Brasil-Bolívia) que permitiu situar, ainda que brevemente, parte da história do Assentamento 72 e do Gaabe, reconhecer os preços praticados e os produtos ofertados na região.

Já para a pesquisa descritiva, foi aplicado um questionário do tipo misto (questões abertas e fechadas), elaborado a partir do Google Forms. Para as questões fechadas foi utilizada a escala de avaliações verbais que, segundo Mattar (2001, p. 222), “compreende a apresentação de respostas às pessoas, desde o extremo mais desfavorável até o extremo mais favorável, pela identificação e ordenação das categorias através de expressões verbais” - neste trabalho: Péssimo; Razoável; Bom; Muito bom e Excelente. Já as questões abertas buscaram deixar o consumidor livre para expressar o que quisessem sobre o assunto em foco.

De um total de 40 consumidores cadastrados e informados pelo representante do Gaabe que dispara as listas de produtos semanais, 14 responderam ao questionário entre 01 a 12 de agosto e 2022. Todos os participantes moram em Corumbá e, quando necessário, são referenciados neste artigo como C.1, para consumidor 1; C.2, para consumidor 2, e assim sucessivamente, visando manter o anonimato dos respondentes.

Por fim, a análise de todos os dados levantados ocorreu, segundo Flick (2004), a partir da definição do problema da pesquisa, da identificação e revisão de literatura pertinente (o que forneceu suporte e direcionamento ao estudo), da elaboração do questionário (a partir da literatura identificada) e da coleta de dados (análise do material coletado de forma qualitativa – confrontando os resultados da pesquisa com a teoria que deu suporte a investigação e subsequente formulação dos resultados e da conclusão da pesquisa).

REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção apresenta a base teórica que direcionou a execução desse estudo. Começa indicando o que é inclusão produtiva rural, sua importância e algumas modalidades possíveis. Segue apresentando a agroecologia e a criação das cestas agroecológicas, indicando como esta forma de comercialização tem permitido uma grande inclusão para várias famílias no Brasil, sobretudo a partir da disseminação da pandemia Covid-19. Por fim, apresenta a importância da estratégia de marketing e da avaliação dos consumidores para reconhecer as potencialidades e problemas na oferta de produtos/serviços, no caso desse estudo, da comercialização das cestas.

Inclusão Produtiva Rural

O Brasil atravessa uma histórica crise de problemas sociais, como o avanço da pobreza e da extrema pobreza2, afinal, apesar dos avanços encontrados, o enfrentamento da pobreza no país ainda é um grande desafio. De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal, 2022), a crise sanitária permanece vigente e a América Latina e o Caribe são as regiões mais vulneráveis do mundo durante a pandemia. Como consequência da prolongada crise sanitária e social da pandemia Covid-19, a taxa de extrema pobreza na América Latina aumentou de 13,1% da população, em 2020, para 13,8%, em 2021, ou seja, passou de 81 para 86 milhões de pessoas, enquanto o total de pessoas em situação de pobreza chega a 201 milhões (Cepal, 2022).

Trazendo essa discussão para a realidade brasileira, Carrança (2021), aponta que, em 2019, os brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza somavam 51,9 milhões. Durante a pandemia, o Brasil chegou a 61,1 milhões (9,1 milhões de pobres a mais do que antes da chegada do coronavírus ao país) e 19,3 milhões na extrema pobreza. Uma das grandes justificativas para isso, se deve ao fato de o Brasil ser reconhecido internacionalmente pelo negligente enfrentamento/gestão da pandemia (2020-2022), vide a demora para começar a vacinação e o baixo valor do Auxílio Emergencial3, de grande valia aos mais necessitados e que demorou a chegar para muitas famílias (Santo e Voks, 2023).

Dentro desse cenário, e focando no meio rural do Brasil, a inclusão produtiva falha ao tentar promover renda frente a atual realidade social. Para a WWP (2022), mesmo com a grande expansão de políticas públicas realizada até 2015 com intuito da redução imediata da pobreza, tudo não foi suficiente para alcançar ou sustentar o maior patamar de renda alcançado pelas famílias mais pobres, pois, após esse período, várias políticas públicas inclusivas vêm sendo desmanteladas, o que acarretou não só na recente crise da democracia, mas a volta e o aprofundamento da fome e da miséria no país, como discutido anteriormente.

Durante a pandemia, nem mesmo a criação do Auxílio Inclusão Produtiva Rural (AIPR), mediante a Medida Provisória 1061/2021, foi capaz de criar condições para atingir o fim a que se propôs. Segundo Campos, Rahal e Campello (2021), essa medida, mal formulada e com origem de recursos incertos, extinguiu o Bolsa Família e o PAA, “dois ícones de políticas públicas brasileiras que se tornaram referência mundial na redução das desigualdades e na promoção da segurança alimentar” (Campos et al., 2021, p. 1). Somado a isso, o AIPR acabou competindo com o Programa Fomento à Inclusão Produtiva Rural, criado em 2011, e que, segundo os autores, tem total capacidade de promover a inclusão produtiva. Contudo, esta medida foi, pelo menos até 2022, enfraquecida com cortes orçamentários e baixa execução, promovendo mais um aniquilamento da política pública nacional.

Campos et al. (2021), defendem que a única forma de reduzir a pobreza, a longo prazo, é criar condições para que as pessoas em situação de extrema pobreza consigam obter renda através do seu trabalho. E isso ocorrerá através da operacionalização de programas voltados para capacitação, treinamento e oportunidades de mercados locais, e não apenas da criação da política pública. Ou seja, é a operacionalização eficaz da política que permitirá ter mais pessoas empregadas no Brasil - o caminho mais seguro para sair da pobreza -, pois a crescente alta dos salários/renda permite a queda da pobreza (Fundação Arymax, 2021). Daí a importância de políticas como o PAA e o PNAE.

Um diálogo que precisa ser firmado é que a inclusão produtiva vem trazendo de forma relevante a importância fundamental do emprego direto na agenda internacional de políticas públicas, estabelecido pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), organizado pelas Organizações das Nações Unidas (ONU), uma agenda desenvolvimento socioambiental que contém 17 objetivos e 169 metas que devem ser alcançados pelos países signatários, como o Brasil, até 2030 (ONU, 2019). A partir dela, as nações têm trabalhado para cumprir os ODS.

Dentre os 17 ODS relacionados especificamente à inclusão produtiva rural, destaca-se o primeiro, cujo objetivo é “acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares” (ONU, 2019, s.p.). Já o oitavo objetivo busca “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo e trabalho decente para todas e todos” (ONU, 2019, s.p.). Ou seja, a nova agenda tem o potencial de definir o desenvolvimento global em um caminho mais equitativo. Assim, a inclusão produtiva busca gerar trabalho e renda de maneira estável e digna para as populações em situação de pobreza ou vulnerabilidade social. A ideia é facilitar a superação de processos crônicos de exclusão social, por meio do empreendedorismo e da empregabilidade.

A inclusão produtiva funciona melhor quando inserida em estratégias de desenvolvimento dos territórios – De pouco adianta melhorar a oferta de trabalho ou de produtos se não houver mercados promissores. E é difícil prover bens e serviços em territórios desprovidos de equipamentos públicos e infraestrutura adequados. Transformações no entorno dos domicílios rurais pobres são fundamentais para ampliar oportunidades e dinamizar o tecido social tornando-o mais fértil para a inclusão produtiva. Muitas regiões rurais precisam de estratégias deliberadas e dirigidas para isso. Esse tipo de visão permitiria combinar as ações “da porteira para dentro” com outras “fora da porteira” dos estabelecimentos pobres. É verdade que as políticas territoriais implementadas nas duas primeiras décadas deste século apresentaram resultados muito limitados, mas elas, se renovadas, continuam sendo importantes, para melhorar o entorno socioeconômico onde se concentram essas famílias vulneráveis (Cebrap, 2022, p.1).

Partindo dos dados apresentados, compreende-se que a inclusão produtiva rural é extremamente importante para o Brasil e seu maior objetivo é proporcionar vida digna e sustentável à população rural, superando a exclusão social, a pobreza e a extrema pobreza, através da geração de trabalho e renda digna. Disso, como discutem Vahdat et al. (2019), resulta a importância do diálogo entre entidades governamentais, assistência social, universidades, agentes de pesquisa entre outros atores. É a partir do amplo debate desses atores, além das práticas por eles implementadas, que a inclusão produtiva rural poderá promover a melhoria nas condições de vida da população assistida, que tem direito a adequadas condições de vida e saúde.

Como será demonstrado mais adiante, foi à articulação de diferentes atores que tem permitido a inclusão produtiva de parte das famílias do Assentamento 72, que hoje integram o Gaabe. Mas antes, será discutida a importância das cestas agroecológicas, uma das várias possibilidades de inclusão e a que será explorada nesse estudo.

A agroecologia e as cestas agroecológicas

Produtos agroecológicos são, segundo Contrigiani et al. (2020), todos aqueles cultivados a partir de certos princípios: com respeito a natureza (preservação), aos povos tradicionais e suas comunidades (cultura), as mulheres do campo (equidade de gênero), com inclusão produtiva (econômico) e que priorizam técnicas que garantam a soberania alimentar. Já Sambuichi et al. (2017), destacam que o manejo agroecológico prioriza a estabilidade geral do sistema, deve ser natural, localizado (variando de acordo com a região) e interativo (pela inserção de plantas, insetos, herbívoros e seus inimigos naturais).

Nos últimos anos, tornaram-se mais recorrentes ouvirmos as expressões produção agroecológica ou orgânica. Segundo a Embrapa (2020), isso ocorre devido à no mínimo três razões. Primeiro, o aumento da consciência por parte dos consumidores, que cada vez mais tomam conhecimento da viabilidade de consumir produtos agroecológicos (saudáveis). Segundo, esse aumento do consumo veio acompanhado da descentralização territorial, pois, anteriormente, esse tipo de produção era concentrado no Sul e Sudeste do país. Hoje, todos os estados têm agricultores familiares e, nisso, agroecológicos. Terceiro, a diversificação da oferta. Inicialmente, as principais ofertas de produtos agroecológicos eram restritas a verduras e algumas frutas. Com o incentivo dessa cultura, hoje o país possui arroz, trigo, feijão e tantos outros produtos.

Essa afirmativa se comprova com dados. Segundo a Embrapa (2020), o setor agroecológico movimentou, em 2019, R$ 2 bilhões, mesmo ofertando produtos que são até 40% mais caros que os substitutos encontrados nos mercados locais (produtos não agroecológicos e que são produzidos, na maioria das vezes, com a utilização de agrotóxicos). Esse faturamento ocorre porque os produtos agroecológicos são produzidos em menor escala se comparado à agricultura convencional, logo, demoram mais para serem colhidos e demandam uma maior dedicação.

Outra questão que contribuiu para esses números é que “essa expansão é promovida pelas redes locais de inovação, as quais articulam agricultores, extensionistas, pesquisadores e suas variadas formas de organização, sendo conhecidas como redes de agroecologia” (Sambuichi et al., 2017, p. 14).

De forma institucional, o movimento agroecológico ganha força no país a partir de 2003, com o surgimento da Articulação Nacional da Agroecologia (ANA), que reúne vários grupos e movimentos sociais regionais/locais em torno da luta pela efetivação do movimento agroecológico. Através dessa articulação, conquistaram a Política Nacional da Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo) - um grande reconhecimento social, ecológico e institucional para o movimento, além de conquistarem alterações no PAA e no PNAE, que passou a priorizar e a pagar mais os produtos de origem agroecológica/orgânica.

Contudo, e como comentado anteriormente, o sucateamento das políticas públicas voltadas à agricultura familiar e a disseminação da pandemia Covid-19 foram duas grandes adversidades que atingiram os produtores agroecológicos nos últimos anos (2016-2022). Diante desse momento de crise, os produtores começaram a buscar alternativas para escoar a sua produção e gerar renda. O caminho mais rápido e fácil foi privilegiar os circuitos curtos de comercialização da produção local de alimentos. Assim, diversos grupos de produtores de todo o Brasil começaram a adotar as cestas agroecológicas.

A literatura sobre cestas agroecológicas ainda é limitada (Contrigiani et al., 2020; Bestaku et al., 2020; Penna et al., 2020). Grande parte dos trabalhos centra-se em descrever as experiências locais (como determinado grupo adotou e a comercializou), o que limita o aprofundamento da sua discussão teórica.

Para contornar essa limitação, nos fundamentamos no trabalho de Bestaku et al. (2021), para quem as cestas agroecológicas são estratégias de comercialização, assim como as feiras livres e institucionais, que permite ainda mais a aproximação entre produtores e consumidores, uma vez que as cestas são entregues na casa dos consumidores, o que fortalece os vínculos sociais, fidelizando o consumidor a cada vez mais adquirir os produtos agroecológicos.

Segundo Penna et al. (2020), as estratégias alternativas de comercialização advindas das cestas agroecológicas contribuem, indiretamente, com o aumento da alimentação saudável e, por consequência, da produção agroecológica. Isso ocorre em razão de os consumidores terem que selecionar os produtos através de uma lista semanal elaborada pelos produtores, com base nas colheitas da semana. Assim, muitos consumidores passaram a consumir produtos que anteriormente não consumiam, ou tinham resistência de levar para casa. Outra questão foi o aumento do ticket médio (a média gasta pelos consumidores em uma compra), pois as pessoas passaram a comprar mais nas cestas do que compravam presencialmente nas feiras, já que as cestas têm um valor mínimo de compras, que varia de grupo para grupo.

É importante ressaltar que esse novo canal de comercialização surge como uma forma de escoamento da produção das famílias rurais. Isso anima e justifica essa pesquisa a compreender os bastidores da produção agroecológica do Gaabe, a partir das cestas agroecológica. Para tanto, é necessário ter uma base de estratégias de marketing que servirá como referencial na condução da pesquisa. É isso que se apresenta na sequência.

A importância da estratégia de marketing para a avaliação da satisfação dos consumidores das cestas agroecológicas

Quando falamos em marketing na Administração, o debate é amplo e complexo devido às variadas correntes e possibilidades de pensar essa tradicional área. Contudo, a literatura demonstra que o marketing tem sua importância devido à geração de valor, ao elo de relacionamento da organização com o público-alvo e a conquista e fidelização de clientes (Westwood, 2007).

Para Kotler (2000, p. 30), “marketing é um conjunto de estratégias em que pessoas e grupos obtêm aquilo que necessitam e o que desejam com a criação, a oferta e a livre negociação de produtos e serviços de valor com outros”. Nesse sentido, não se trata apenas de vender, mas sim, de traçar estratégias que permitam conquistar e reter clientes – através do planejamento e da execução de técnicas que priorizem a satisfação do consumidor.

Diante disso, compreender a satisfação do público-alvo é uma tarefa necessária (Kotler, 2000), afinal, para cada público-alvo escolhido uma determinada oferta deve ser lançada, pois esse determinado nicho terá necessidades, desejos e demandas específicas sobre o produto/serviço comercializado. Nessa tangente, Westwood (2007), reforça que quanto mais conseguirmos elaborar um conjunto de estratégias e estar atento ao mercado e suas mudanças, mais chances haverá de gerar valor ao cliente e, claro, também ficará reconhecido como aumentar a lucratividade.

São vários os caminhos e modelos de como definir estratégias de marketing para as organizações. Esse estudo não tem o objetivo de revisitar e apresentar todos eles. Buscou-se, nesse sentido, apresentar um eixo comum que acabou inspirando a construção do questionário dessa pesquisa a partir da exposição abaixo.

As estratégias de marketing compreendem os produtos, preços, promoções, propagandas/divulgações e distribuição. Segundo Westwood (2007, p.45), “as estratégias devem ser desenvolvidas para cada objetivo e partindo de cada um desses elementos estratégicos”. Naturalmente, esses elementos precisam ser pensados e projetados de acordo com as especificidades de cada grupo/organização em questão. Assim, “o marketing diz respeito ao equilíbrio entre produtos e seus mercados” (Kotler, 2000, p.41).

Westwood (2007) aponta que as estratégias de marketing podem seguir três direções: as defensivas (evitar a perda de clientes através do reconhecimento dos pontos fracos do negócio), as de desenvolvimento (oferecer aos clientes atuais um grande melhoramento na oferta de novos produtos e serviços) e as de ataque (conquistar novos clientes no mercado atual). Dessas três possibilidades, este estudo focou na estratégia defensiva4 e adaptou a visão de Westwood à realidade das cestas agroecológicas, apresentados na Figura 1:

FIGURA 1
FIGURA 1

Estratégia defensiva proposta para o Gaabe

Os autores, adaptado de Westwood (2007).

A leitura da estratégia defensiva (Figura 1), demonstra que as seis ações são pautadas no reconhecimento de seus pontos fortes e fracos e devem ser adotadas para evitar a perda de clientes. Essas seis ações acabam compondo os 4P's do mix de marketing: produto, preço, promoção e praça.

Partindo das contribuições de Kotler (2000), o mix ou composto de marketing é um conjunto de ferramentas que a empresa pode aplicar/identificar para influenciar a demanda de um determinado produto, sendo controlado pelo perfil de seus consumidores. Este modelo baseia-se em quatros pilares denominados os 4 P’s, sendo combinado o produto, como ele é distribuído em seu local de venda, divulgando para que seu público-alvo conheça a qualidade e preço deste produto com satisfação.

A primeira fase da avaliação dos 4P’s é o “produto”, o que de fato é comercializado. Para Las Casas (1999), uma boa avaliação de produto deve averiguar, além do descrito na Figura 1, a qualidade, o que tem de diferente, a embalagem que é ofertada, a presença da marca e demais informações necessárias. No caso dos produtores rurais, alguns produtos têm seu ciclo de vida muito curto, já que variam de acordo com a estação. Logo, compreender esse item é de suma importância para alinhar o produto ofertado ao calendário do cultivo (o que plantar e em que período plantar).

Na sequência temos o “preço”, um dos itens mais importantes, pois, segundo Las Casas (1999), a precificação do produto envolve o que determinará a presença, ou não, da lucratividade, portanto, estar atento aos custos de produção, distribuição, preços praticados pelos concorrentes ou por produtos substitutos e formas de pagamento são pontos cruciais que determinarão a boa vida financeira do negócio.

“Praça”, terceiro item, indica os canais onde os produtos são comercializados e como ocorrem a sua distribuição. Já a “promoção” (último item), indica como o produto é vendido. No caso do Gaabe, são vendidos através das cestas agroecológicas e via listas ofertadas por WhatsApp. As entregas ocorrem aos sábados, quando os consumidores recebem o produto em casa. Referente a esses dois P’s, já é de conhecimento dos integrantes do Gaabe que o sistema adotado (cestas agroecológicas entregues em casa) tem permitido a autonomia do grupo, a gestão de vendas coletivas (através da união dos produtores), além da satisfação dos consumidores, que, desde o surgimento desse canal, passaram a comprar mais. Portanto, apesar da intensa importância desses dois itens, este trabalho não irá aprofundar essa análise, devido ao feedback positivo dos clientes.

Cobra e Urdan (2017), apontam que as pessoas são diferentes umas das outras. Os consumidores expressam suas diferenças das mais variadas formas na compra de produtos. Dessa forma, identificar a satisfação do consumidor permitirá que a organização reestruture suas atividades, neste caso, de forma defensiva, priorizando a satisfação dos consumidores.

O conceito de satisfação do consumidor é bastante amplo e, para Kotler (2000, p. 23), indica “sentimento de prazer ou de desapontamento resultante da comparação do desempenho esperado pelo produto (ou resultado) em relação às expectativas da pessoa”.

Para Las Casas (1999), o objetivo não é mais apenas atender bem os consumidores e mantê-los satisfeitos. É necessário compreender as reais necessidades do consumidor e o que motivou a adquirir o produto. Somente assim poderá ser criada (ou fortalecida) a “fidelização” – processo em que o consumidor se torna fiel ao produto em avaliação. Portanto, o autor reforça que a avaliação de satisfação permite compreender melhor a qualidade da prestação do serviço prestado e do produto ofertado; para então poder identificar as falhas no processo e ajustá-las, na medida do possível.

CARACTERIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO EM ESTUDO

O Assentamento 72 foi criando em 1999 pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), através da desocupação da Fazenda Primavera. Está localizado no município de Ladário, borda oeste do Pantanal no estado do Mato Grosso do Sul. Após várias negociações, foram assentadas 85 famílias de diversas origens, das quais, cerca de 20 famílias já participaram do processo de transição agroecológica.

Segundo Costa e Feiden (2020), a trajetória do Assentamento 72 é marcada por vários conflitos, interesses, descasos e dificuldades, o que levou algumas famílias a abandonar ou transferir o lote. Dentre as principais dificuldades estão à falta de água, as péssimas condições das estradas e a pouca assessoria técnica. Para os autores, a maior dificuldade desses produtores sempre foi à geração de renda. Grande parte deles vivia apenas da produção do leite e de auxílios do governo (políticas assistencialistas). Contudo, no período da seca, a produção de leite diminuía devido ao gado ficar sem alimento, gerando uma grande crise, afinal, várias famílias passavam muitas dificuldades, incluso a insegurança alimentar.

O jogo começou a virar em 2010, quando uma parceria institucional firmada entre Núcleo de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica do Pantanal – NEAP (da UFMS) e a Embrapa Pantanal elaboraram um grande projeto cujo foco principal era repensar a sobrevivência das famílias do 72, partindo da produção da lavoura e sem perder a cultura com a terra. Após aplicação do diagnóstico, verificaram que as hortaliças comercializadas nos supermercados de Corumbá e Ladário vinham de outras cidades de MS e até de outros estados. Os principais resultados revelaram que essas famílias tinham pouco conhecimento sobre plantação e dificuldades ou nenhum acesso à água.

Foi através desse projeto que, em 2015, surgiu o Gaabe, pois, uma vez aprendido as técnicas de cultivo, conquistados novos mercados e melhorado o acesso à água e as condições de vida da família, o Grupo decidiu que cada vez mais seguiria os princípios da produção agroecológica. O número de famílias varia no Gaabe. Em 2022 (ao final desse estudo) são 7 famílias (Figura 2). No geral, produzem hortaliças, leite in natura, ovos, mel, frango caipira e outros.

FIGURA 2
FIGURA 2

Localização do assentamento 72, com destaque para os lotes do Gaabe

Fonte: Arquivos do NEAP.

Um dos ápices do Gaabe foi à criação e a grande aceitação das feiras institucionais que ocorrem na UFMS, na Embrapa Pantanal e no IFMS. O grupo vinha trabalhando bem, rumo ao início da certificação agroecológica, quando, em 2020, enfrentaram todas as mazelas da Covid-19, com o fechamento das feiras livres e institucionais.

Com isso, surge dos pesquisadores e produtores a ideia de comercializar via cestas agroecológicas. Segundo Santo (2021, p. 306) “antes das feiras nas instituições federais, já havia interesse em criar as cestas, pois há uma valorização do conjunto de produtos que reflete uma qualidade territorial, neste caso, a produção agroecológica do Pantanal”. Os consumidores que participam dessa corrente estão dispostos a pagar pelo valor adicional da cesta, referente a um consumo substantivo existente.

RESULTADOS DA PESQUISA

Esta seção apresenta os resultados da pesquisa. Cada subseção busca responder a um questionamento dessa pesquisa, descritos na introdução. O capítulo começa discutindo e apresentando os produtos e os preços para depois analisar a satisfação dos consumidores.

Identificação dos produtos comercializados, dos produtos concorrentes/substitutos e dos preços praticados

Para identificar os produtos ofertados e os preços praticados pelo Gaabe, foi realizada uma análise em 14 listas de ofertas enviadas via WhatsApp de 29 de maio de 2021 a 24 de setembro de 2022.

O Gráfico 1 (a seguir) sintetiza parte do levantamento dos produtos comercializados. Os dados demonstram que a produção do Gaabe é vasta de hortifrúti, e que muitos desses produtos sequer são encontrados nos supermercados locais, como, por exemplo, a alface japonesa, a citronela, a folha de mostarda, a chicória, a folha vick, entre outros. Só essa leitura do Gráfico 1 já revela um diferencial. A cesta agroecológica do Gaabe oferta produtos que na maioria das vezes os consumidores não têm contato, pelo menos, não de forma in natura, mas sim processado, como os temperos (orégano, mostarda e outros) ou produtos de limpeza (citronela). Pensando a partir da “promoção” (4P’s), isso poderia ser mais bem explorado nas redes sociais, com vídeos que orientem os consumidores a utilizar tais produtos, bem como demonstrar os benefícios desses produtos in natura.

GRÁFICO 1
GRÁFICO 1

Produtos comercializados pelo Gaabe

Dados da pesquisa.

O Gráfico 1 também aponta que o Gaabe comercializou 61 tipos de produtos no período que, em sua maioria, se enquadram em produção primária vegetal (maxixe, pimentas, abóbora e todos os demais) e produção primária animal (mel, leite, ovo, pato, frango), ou seja, são produtos criados e/ou cultivados pelos próprios produtores. Também há oferta de produtos processados de origem animal (doce de leite) e pouca produção caseira (pão), ainda que essa possa utilizar parte dos produtos cultivados pelos próprios produtores (por ex., leite, ovos, banha, outros).

Mas essa oferta nem sempre é a mesma. Ela varia muito e, percebe-se, que ao longo do tempo o quantitativo de produtos que “sempre são ofertados” vai caindo para 42, 36 e 34 produtos respectivamente, ou seja, metade dos 61 itens é ofertada de forma sazonal. Isso é resultado tanto do próprio ciclo do plantio, já que algumas culturas ocorrem em épocas específicas (exemplo, abacate), quanto de falhas no planejamento produtivo, pois ora um produto é intensamente ofertado, ora está em falta (exemplo, o mamão e a mandioca). Dos 61 itens comercializados, o Quadro 1 destaca os 21 itens que sempre foram ofertados nas 14 listas com sua respectiva média de preço obtida a partir da análise comparativa dos preços ofertados em cada lista do Gaabe.

Quadro 1
ProdutoPreçoProdutoPreçoProdutoPreço
abóbora maduraR$ 6,00hortelãR$ 3,00Pimenta dedo de bruxaR$ 3,00
abóbora verdeR$ 6,00hortelã folha largaR$ 3,00Pimenta dedo de moçaR$ 3,00
acelgaR$ 4,00oréganoR$ 3,00Pimenta moranguinhoR$ 3,00
alface verdeR$ 4,00ovo caipira (dz)R$ 15,00Pimenta murupiR$ 3,00
alho japonêsR$ 3,00pãoR$ 12,00Pimenta pitangaR$ 3,00
almeirãoR$ 3,00patoR$ 50,00
berinjelaR$ 4,00pimenta bodinhoR$ 3,00
estragãoR$ 3,00pimenta de cheiroR$ 3,00

Lista de produtos sempre ofertados pelo Gaabe

Fonte: Dados da pesquisa

A lista de produtos do Quadro 1 indica que a oferta do Gaabe acaba se concentrando em produtos que são comercializados a um baixo preço. Se os produtos têm baixo preço (a maior parte custa R$ 3,00), logo, não gerarão muito lucro, ainda mais quando os produtos são muito específicos, àqueles que os consumidores provavelmente não adquirirão de forma constante, sendo comprado esporadicamente (exemplo, as pimentas). Os produtos que têm maior preço (mamão, mandioca, brócolis, cenoura, beterraba, outros) são aqueles que os consumidores sempre buscarão, contudo, no caso da produção do Gaabe, eles acabam não sendo permanentemente ofertados.

Apesar do quantitativo expressivo de ofertas realizadas pelo Gaabe (61itens), este não é o único canal que comercializa hortifrutigranjeiro na região. O Gaabe tem uma enorme gama de produtos concorrentes ou substitutos que são comercializados pelos supermercados de Corumbá (Frey; Atacado Fernandes; Cidade Branca; Chama; Fogo e Mega) e Ladário (Comercial Escobar) e pelas feiras livres (7 em Corumbá e 3 em Ladário).

Diante disso, partiu-se para a análise dos dados do Boletim de Preço de Hortifrúti da Fronteira Brasil-Bolívia (BPH)5, um informe mensal elaborado por pesquisadores do NEAP (UFMS-CPAN), que tem por objetivo identificar e divulgar os preços e a disponibilidade de frutas e hortícolas nos principais supermercados e feiras de Corumbá e Ladário, para identificar quais produtos do Gaabe (do Gráfico 1) tem concorrentes e substitutos. Foram utilizados como referência os dados de 5 boletins (de maio a setembro de 2022).

Como resultado, a título de comparação, no mês de julho de 2022 a lista do Gaabe ofertou 42 itens. Destes, 18 também foram comercializados pelos supermercados e feiras da região. Outros 24 produtos, por sua vez, não foram comercializados, mas tem produtos substitutos, ou seja, àquele produto que se aproxima do original e acaba sendo facilmente substituído pelo consumidor, como é o caso da alface lisa, roxa, crespa – variadas formas de alface que, porventura, é substituída pelo cliente, mesmo cada produto tendo sua textura e sabor específico6.

Referente aos preços praticados nos 18 itens que são comercializados pelo Gaabe e pelos supermercados, o Quadro 2 apresenta um grande contrassenso ao comparar os preços dos supermercados e os preços do Gaabe.

Quadro 2
ProdutosGaabeSup. 1Sup. 2Sup. 3Sup. 4Sup. 5
Abobora maduraR$ 6,00R$ 9,99R$ 8,99R$ 7,90R$ 6,80R$ 5,98
Abobora verdeR$ 6,00R$ 12,19R$ 10,19R$ 9,99R$ 7,99R$ 6,99
AgriãoR$ 4,00R$ 8,59R$ 7,99R$ 7,19R$ 5,09R$ 4,99
Alface roxaR$ 4,00R$ 9,00R$ 8,99R$ 7,39R$ 6,99R$ 5,39
Alface verdeR$ 4,00R$ 7,99R$ 6,99R$ 5,99R$ 5,19R$ 4,99
AlmeirãoR$ 3,00R$ 5,99R$ 5,59R$ 5,19R$ 4,99R$ 4,39
BerinjelaR$ 4,00R$ 7,89R$ 7,79R$ 7,29R$ 6,99R$ 5,98
BrócolisR$ 5,00R$ 12,29R$ 10,99R$ 9,89R$ 8,19R$ 7,99
CebolinhaR$ 3,00R$ 3,89R$ 3,89R$ 2,99R$ 2,79R$ 1,99
CenouraR$ 3,00R$ 8,99R$ 7,00R$ 4,29R$ 3,99R$ 3,39
Coco verdeR$ 5,00R$ 12,19R$ 9,09R$ 6,99R$ 6,39R$ 5,79
HortelãR$ 3,00R$ 6,79R$ 6,59R$ 5,19R$ 4,00R$ 2,95
MamãoR$ 6,00R$ 16,09R$ 12,99R$ 11,90R$ 10,99R$ 9,79
MorangaR$ 6,00R$ 15,65R$ 13,99R$ 12,99R$ 9,99R$ 6,99
PimentãoR$ 4,00R$ 29,90R$ 20,89R$ 19,99R$ 15,59R$ 11,98
RepolhoR$ 8,00R$ 8,19R$ 7,99R$ 6,39R$ 5,99R$ 4,79
RúculaR$ 4,00R$ 8,19R$ 7,99R$ 7,00R$ 5,99R$ 4,99
SalsaR$ 3,00R$ 3,89R$ 3,89R$ 2,99R$ 1,99R$ 1,49

Comparação dos preços praticados entre Gaabe e supermercados

Fonte: Dados da pesquisa

Como apresentado no Quadro 2, o mamão dos camponeses custa R$ 6,00, enquanto o mamão mais barato do supermercado já custa 1/3 a mais que o do Gaabe (R$ 9,79), chegando ao pico de R$ 16,09 com um diferencial – são produtos cultivados com uso de agrotóxicos, que nos últimos anos vem sendo usados de forma descontrolada e em alta escala no Brasil. O pimentão, um dos hortifrutis que mais contêm agrotóxicos, é comercializado pelo Gaabe a R$ 4,00, enquanto nos supermercados o quilo chega a custar R$ 29,90, quase sete vezes mais. Por fim, pode-se analisar a rúcula (do Gaabe R$ 4,00 e do supermercado R$ 8,19) e a alface verde (Gaabe R$ 4,00 e supermercado R$ 7,99). Em todos os casos, o preço é praticamente o dobro do praticado pelo Gaabe. O que se conclui desse Quadro 2 é que esses 18 itens são os tipos de produtos que serão consumidos de forma permanente, logo, eles deveriam receber maior atenção no processo produtivo e um preço acima do praticado no mercado, visto a qualidade que ele possui.

É possível encontrar também produtos como o tomate e a cenoura que, em 2022, devido à inflação e a problemas da safra, chegaram a R$ 10,00 o kg no Brasil. Quando o Gaabe ofertou esses produtos localmente, o preço máximo praticado foi de R$ 5,00 para o tomate e R$ 3,00 para a cenoura, muito abaixo do valor praticado por alguns supermercados da região (tomate teve o pico de R$ 10,00 e cenoura de R$ 8,99). Lembrando que os produtos do Gaabe se encontram na categoria de produtos agroecológicos em processo de certificação para orgânico, algo não encontrado nos supermercados de Corumbá e Ladário.

Finalizando essa primeira seção, que buscou analisar os produtos ofertados e os preços praticados, nota-se, na comparação dos valores, que boa parte dos produtos comercializados pelo Gaabe está com preços menores dos que os principais supermercados da região. Conforme consta na nota do BPH, nenhum supermercado da região oferta hortifrutis com certificação agroecológica ou orgânica, portanto, observa-se uma perca significativa para o Gaabe, pois os preços ofertados estão abaixo dos produtos concorrentes/substitutos da região. Conforme destacado anteriormente, a Embrapa aponta que os produtos agroecológicos são ofertados a preços maiores que os produtos não agroecológicos (que utilizam agrotóxicos em sua produção) porque são produzidos em menor escala e demoram mais para serem colhidos, demandando uma maior dedicação (Embrapa, 2020).

Satisfação dos consumidores do Gaabe em relação às cestas agroecológicas

Uma vez identificados os produtos ofertados e os preços praticados, esta subseção busca compreender a satisfação dos consumidores em relação às cestas agroecológicas (através dos 4 P’s) e a sua percepção sobre o sistema agroecológico. Reconhecer essa percepção é fundamental para o Gaabe, pois, quanto mais os consumidores compreendem o sistema agroecológico, mais próximo da certificação o Gaabe poderá estar, afinal, essa articulação com os consumidores é condição necessária no processo de certificação (um de vários requisitos), que busca a criação de vínculos sociais (produtores-consumidores) para a averiguação do funcionamento do sistema agroecológico; além de permitir o reajuste necessário nos preços do Gaabe que, como demonstrado, estão abaixo do mercado.

Referente ao perfil do consumidor, dos 14 respondentes 11 são mulheres e 3 são homens. A faixa etária principal é de 31 a 35 anos (4 respondentes), seguida de 41 a 55 anos (4 respondentes), de 36 a 40 anos (3 respondentes), 56 a 61 anos (2 respondentes) e de 26 a 30 anos (1 respondente). Quanto ao grau de instrução, 1 respondente tem ensino superior completo, 2 tem especialização, 3 tem mestrado e 8 tem doutorado. Todos os participantes da pesquisa residem em Corumbá.

Dos 14 respondentes, 13 informaram que compram a cesta agroecológica do Gaabe há dois anos, enquanto 1 respondente é cliente recente, tendo começado a comprar há um ano. No geral, 12 consumidores relataram que souberam das cestas por conhecer o projeto, enquanto 2 deles informaram que conheceram por indicação de amigos.

Visando buscar elementos que permitissem compreender a percepção do consumidor sobre o sistema agroecológico, três perguntas foram lançadas aos clientes. A primeira, visa reconhecer se os clientes já visitaram algum sítio dos produtores do Gaabe e 8 sinalizaram que sim, que já visitaram ao menos 1 sítio, enquanto outros 6 ainda não efetuaram o reconhecimento de algum desses locais de produção.

A segunda, buscou identificar a divulgação do sistema agroecológico. As respostas foram mistas: 1 participante respondeu como péssimo, 5 participantes afirmaram em razoável, 5 participantes responderam como bom, 1 participante apontou como muito bom e 2 participantes como excelente. Analisando essas respostas, vemos que 11 participantes praticamente afirmam que não recebem informações sobre o sistema agroecológico, enquanto apenas 3 sinalizaram que recebem. Isso é um indicativo que o Gaabe precisa utilizar mais as redes sociais (WhatsApp e Instagram do NEAP) para divulgar o sistema agroecológico, os sítios, a montagem das cestas, enfim, tudo que permita ‘fortalecer os laços’ (Santo & Voks, 2020) com os consumidores e a divulgação do sistema agroecológico, incluso aí, as cestas.

Por fim, a terceira questão visa identificar a percepção dos consumidores sobre o que eles entendem por sistema agroecológico. A maioria dos 14 respondentes sinalizou que compreendem parte do processo, sendo possível destacar algumas falas. Para C.3, “os produtos agroecológicos são aqueles sem agrotóxicos, sustentável e que respeitam o meio ambiente como um todo, desde a produção até o consumo final” Já para C.10, os produtos agroecológicos são aqueles “que em toda a cadeia produtiva utiliza meios naturais de produção em detrimento a uma política de agrotóxicos” Destacando a preocupação ambiental, C.13 respondeu que são “alimentos produzidos de forma a não prejudicar o ambiente e nem a saúde de pessoas e animais com o uso de substâncias tóxicas”.

Fica claro que é urgente melhorar a divulgação de todo sistema (da produção a comercialização). Aliás, é justamente a divulgação do sistema que justificará o reajuste dos preços, que estão defasados. Sem entendimento dos princípios agroecológicos, dificilmente os consumidores estarão abertos a pagar mais pelos produtos. É preciso compreender o sistema para valorizá-lo.

Na sequência, cada um dos blocos (destacados em negrito) explora um dos 4P’s e apresenta os resultados da satisfação dos consumidores em relação às cestas agroecológica.

Inicialmente, quatro questões buscaram compreender a satisfação dos consumidores em relação ao “produto” (1º P). A primeira pergunta questionou os 14 consumidores sobre a variedade de produtos, onde 5 participantes avaliaram como bom, 4 como muito bom e 5 como excelente. Vemos então, que a grande maioria compreende a limitação da oferta (o que justifica a adoção da estratégia defensiva) e, nesse sentido, C.2 relatou que “seria ótimo uma maior variedade de produtos, mas compreendo as limitações do cultivo.” Praticamente a mesma opinião foi expressa sobre a satisfação em relação à qualidade dos produtos recebidos na cesta (segunda questão), ocasião em que 8 consumidores disseram que os produtos são “muito bom”, para 3 são “excelentes” e para 2 são “bom”.

A terceira questão, indagou sobre a satisfação com as embalagens adotadas. Esse foi o item que os 14 consumidores mais reforçaram que poderia ser melhorado, seja no cuidado com os produtos, pois alguns estão chegando amassados, seja no excesso de embalagens plásticas adotadas. Nesse sentido, C.1 aponta que, “esse item (embalagens) precisa ser revisto. Tem muito plástico. Coisas desnecessárias, como o coco verde, são embaladas.” Já para o C.7 “a prioridade seriam as embalagens, visto que são utilizados sacos plásticos, que gera muito resíduo e não é sustentável”. C.9 comenta: “o ideal seria os produtos virem tipo numa grande caixa e, na porta de casa, pegarmos os itens que deixamos reservados no WhatsApp. Mas entendo que o carro deles é pequeno, então, talvez, adotar uma sacola retornável que eles mesmo vendessem já ajudaria”.

O segundo bloco buscou compreender a satisfação dos consumidores em relação ao “preço” (2º P). A forma de pagamento mais utilizada é o pix7 (12 respondentes), seguido de pagamento à vista (2 respondentes). Ainda sobre o pagamento, os consumidores estão satisfeitos com a taxa de entrega (7 respondentes opinaram como “excelente”, e 4 como “muito bom”), assim como com os custos de embalagem (4 respondentes opinaram como “muito bom” e 4 como “excelente”).

Quando averiguado a satisfação dos consumidores em relação aos preços dos produtos comercializados na cesta, 7 respondentes que acham os preços “excelentes”, enquanto 4 acham os preços “muito bom” e 3 acham que os preços são “bom”. Vemos, então, que não há insatisfação com os preços. Comparando esse resultado com a discussão empreendida na subseção anterior, talvez uma das justificativas para isso seja, justamente, o fato de os produtos não terem agrotóxicos e estarem sendo comercializados abaixo do preço de mercado, fora a questão da comodidade de receber os produtos em casa. Ainda nessa questão, dois consumidores lançaram excelentes observações sobre os preços praticados. “Quando o produto entregue é de qualidade, não me importo de pagar um pouco a mais” (C.5). Já C.8 discorre que “os preços, por vezes, estão abaixo do valor de mercado, poderiam até ser um pouco mais alto”.

O penúltimo bloco avalia o 3º P, “praça”. Aqui, interessa saber a satisfação dos consumidores em relação aos canais onde os produtos são comercializados e sobre como ocorrem a sua distribuição.

No caso do Gaabe, as cestas agroecológicas são comercializadas via listas ofertadas por WhatsApp. As entregas ocorrem aos sábados, quando os consumidores recebem o produto em casa. Assim, a primeira pergunta buscou compreender a satisfação os consumidores com as listas enviadas por WhatsApp. Entre os 14 respondentes, 71,4% (10 respondentes) avaliaram a divulgação como “excelente” e 21,4% (3 respondentes) avaliaram como “muito bom”. Nessa mesma proporção ficou a satisfação dos consumidores (13 no total) em relação à segunda pergunta, a agilidade do processamento do pedido (recebimento, confirmação do pedido e esclarecimento de eventuais dúvidas).

Já a satisfação dos consumidores com a entrega das cestas (terceira pergunta), revela que para 8 participantes a entrega é “excelente”, enquanto para 2 é “bom” e para outros 2 como “muito bom”. Apenas 1 cliente relatou que a entrega é “razoável”. Sobre esse item, C.1 expressou que as cestas “deveriam ser entregue em caixas, pois em sacolão (forma atual) muitos produtos vêm amassados e perdem a qualidade, sem contar que no calor de Corumbá fechar esses produtos dentro de um plástico faz com que, às vezes, cheguem murchos.” Isso reforça a discussão anterior sobre as embalagens.

Por fim, o último bloco buscou compreender a satisfação dos consumidores em relação à “promoção” (4º P). Das questões levantadas, duas merecem destaque.

A primeira buscou compreender a opinião dos consumidores sobre a divulgação de produtos ofertados na lista, mas que, porventura, o consumidor não conhece, não sabe como utilizar e nem para que utilizar, a exemplo, da folha de mostarda, estragão, vick e outros. Nesse sentido, 3 consumidores avaliaram a divulgação como “razoável”, 4 como “bom”, 6 participantes avaliaram como “muito bom” e 1 como “excelente”. Analisando essa avaliação, vemos que as opiniões se dividem ao meio, pois para 7 consumidores a divulgação é baixa, enquanto para outros 7 é muito bom, mas não satisfatória. Por isso, percebe-se que há necessidade de divulgar melhor a funcionalidade de alguns produtos muito específicos. Isso acaba funcionando como diferencial, pois são produtos que não são encontrados nos supermercados da região.

Já a segunda questão buscou reconhecer a opinião dos consumidores sobre a divulgação do funcionamento do sistema agroecológico. 5 participantes avaliaram como “razoável”, 1 consumidor avaliou como “péssimo” e 1 como “muito bom”. Apenas 2 afirmaram ser excelente. Fica claro, mais uma vez, a necessidade de divulgar e disseminar a importância da agroecologia e da atividade desses produtores para os seus consumidores e, bem como, para a sociedade de Corumbá e Ladário.

Por fim, a avaliação dos resultados encontrados permite sintetizar as principais ações que o Gaabe poderia dar atenção, visando fortalecer uma estratégia defensiva para as cestas agroecológicas com base nos 4P’s. Cabe destacar que essas ações não surgem como um conjunto de ideias normativas, cujo objetivo é impor soluções/ações sobre os produtores, sobretudo, ideal de progresso sob o prisma econômico. Surgem, pelo contrário, do diálogo entre o feedback dos consumidores, identificados nesse trabalho, e da participação conjunta com os produtores que foram acompanhados a todo tempo da pesquisa. Isso se justifica, segundo Santo (2021), pois muito mais que difundir medidas e inovações definidas a priori, é preciso considerar a importância dos produtores para desenhar ações e incorporá-las às suas estratégias e práticas. São os produtores que, no seu dia a dia, terão que aplicar esse conjunto de ações, buscando suprir suas defasagens e limitações ou potencializar seus pontos fortes. O que cabe a nós, pesquisadores e/ou agentes de desenvolvimento, é incentivar a inclusão produtiva. A seguir, seguem as principais ações/resultados dessa pesquisa:

- Divulgar melhor os produtos não convencionais (como a folha de mostarda, a chicória, entre outros) nas redes sociais;

- Priorizar a produção de alimentos que permitam atribuir maior preço (mandioca, mamão, beterraba, brócolis, outros), sem descartar a produção de alimentos de baixo valor (ex. pimentas);

- Rever a política de preço adotado (como apontado no Quadro 2), não para adotar uma lógica de oferta e demanda e intensa busca pelo lucro, mas para valorizar a sua produção e estimular que mais agricultores participem do sistema agroecológico;

- Rever as embalagens adotadas. O grupo precisará chegar a uma decisão coletiva que possa tanto melhorar a embalagem, quanto serem capazes de realizar a ação;

- Quando a lista de oferta estiver bem pequena, decorrente de a produção estar baixa, sugere-se (somente nessa situação) que o Gaabe crie uma “cesta fechada”, para que o cliente compre a cesta na íntegra dando vazão à produção, ao invés de deixarem os clientes livres para escolher.

CONCLUSÃO: RUMO AO MARKETING ECOSSOCIAL

Este trabalho buscou avaliar a satisfação dos consumidores das cestas agroecológicas ofertadas pelo Grupo de Agricultores Agroecológicos Bem-Estar (Gaabe), com base nas ferramentas de marketing (4P's – produto, preço, promoção e praça) visando o fortalecimento da inclusão produtiva rural.

Ao longo do trabalho, foi possível identificar os produtos ofertados e os preços praticados pelo Gaabe. Através da pesquisa realizada pela equipe do Boletim de Preços de Hortifrúti da Fronteira Brasil-Bolívia (NEAP-UFMS), ficou claro que há uma série de produtos substitutos comercializados na região. Como resultado, chegou-se a um quadro comparativo dos 18 produtos comercializados em comum pelo Gaabe e pelos supermercados de Corumbá e Ladário (Quadro 2) que poderá ajudar o grupo a rever seus preços. Esse resultado foi possível devido à adoção das ferramentas do marketing como estratégia de pesquisa.

Adotar as ferramentas de marketing, enquanto arcabouço teórico-analítico, permitiu tanto responder aos questionamentos da pesquisa quanto reorientar a utilização do marketing para a inclusão produtiva rural, uma vez que o marketing é originalmente pensado e idealizado para o meio empresarial/empreendedor (visa o lucro). Aprendemos, então, que precisamos reverter à lógica do mercado global, que frequentemente se apropria de vários saberes populares e os desvirtua em busca do lucro, para nos apropriarmos de várias ferramentas desenvolvidas pelo meio empresarial (extrato do capitalismo) para o meio rural, logicamente, com as devidas adaptações/precauções. Estaremos assim, vislumbrando um marketing ecossocial, um conjunto de estratégias e ações mercadológicas para a comunidade impulsionar sua atividade8, buscando sua inclusão social, produtiva, econômica e valendo-se da variável ambiental nesse processo, para transformar o seu entorno através da disseminação de novas práticas e costumes e da busca por equilíbrio entre interesses econômicos e sociais, sem deixar de perder a sua essência.

Pensar a transformação socioambiental dos produtores rurais a partir do marketing ecossocial mostra-se como uma estratégia potente, no sentido de que propõe uma ação que se inicia dentro da sociedade capitalista, permitindo uma mudança de dentro para fora, privilegiando a melhoria da qualidade de vida da comunidade e do meio ambiente. Ao definir um conjunto de estratégias de marketing ecossocial, os produtores rurais estarão não apenas vislumbrando ações de mercado (como vender mais), mas também, criando focos de resistência que modificam gradualmente a engrenagem do sistema capitalista, seja na apropriação do marketing, seja no alcance desse conjunto de estratégia (promover estilos de vida mais saudáveis aos consumidores e a preservação do meio ambiente decorrente de uma atividade agroecológica). Portanto, à medida que as famílias produtoras adotam novas condutas e práticas fundamentadas no marketing ecossocial, elas estarão buscando a sua inclusão produtiva (uma autonomia individual e coletiva frente à alienação), promovendo um consumo consciente (frente ao consumo deliberado) e uma relação integrada com a natureza (frente às práticas predatórias).

De posse dessa ferramenta, foi possível chegar aos 14 consumidores do Gaabe e identificar a sua percepção sobre o sistema agroecológico (sua importância para a sua saúde, para a inclusão produtiva das famílias do Gaabe, além da preservação do Pantanal) e sua satisfação ao consumir as cestas. Observou-se que os consumidores têm algum conhecimento sobre a agroecologia, mas que merece ser mais bem trabalhado para que, justamente, o Gaabe possa valorizar a sua produção e rever os preços praticados. Também precisa ser revista à interação entre produtores e consumidores, visando reforçar os princípios capilares do circuito curto, apontadas por Darolt (2013), como autonomia, solidariedade, segurança alimentar, justiça social, respeito à cultura e tradições locais.

Em síntese, por mais que a cultura orgânica e agroecológica ainda estejam numa fase embrionária na região, os produtores poderiam explorar mais esse canal, assim como, os portadores sociais (como as universidades, centros de pesquisas agrários, ONGs, administração pública, outros) também precisam priorizar estratégias de marketing ecossocial em seus projetos. Existem consumidores que já entendem o processo e estão dispostos a pagar mais pelos produtos, desde que, haja qualidade e comprometimento com a colheita e entrega. Sob a ótica da estratégia defensiva, são justamente esses consumidores que devem se tornar público-alvo do Gaabe.

Agradecimentos

Agradecemos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, pelo financiamento da pesquisa “Apoio à expansão da produção agroecológica e da certificação orgânica de agricultores familiares na fronteira Brasil-Bolívia”, através do edital Universal (nº18/2021).

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Notas

1 Segundo a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo, a água salobra possui salinidade alta, tendo aparência turva e grande quantidade de substâncias dissolvidas. Por isso não pode ser consumida pelo ser humano. Cf. https://bit.ly/3TMFOAw
2 Segundo Carrança (2021), são consideradas pobres as pessoas que vivem com uma renda mensal per capita (por pessoa) inferior a R$ 469 por mês, ou US$ 5,50 por dia, conforme critério adotado pelo Banco Mundial. Já os extremamente pobres são aqueles que vivem com menos de R$ 162 mensais, ou US$ 1,90 por dia.
3 Auxílio emergencial: Política assistencialista criada durante a pandemia que prevê a destinação de R$ 60 bilhões aos estados, municípios e ao distrito federal para atender 30 milhões de pessoas.
4 Essa opção foi à escolhida em razão de já termos reconhecimento que o Gaabe não terá produção suficiente para expandir seu mercado, logo, fica evidente que a melhor estratégia é a defensiva; saber trabalhar com a produção atual e com seu público-alvo (fidelização).
5 Uma edição do BPH pode ser conferida em: https://bit.ly/3JdwtP0
6 Os 24 produtos que não foram encontrados concorrentes são: alface mimosa roxa, alho japonês, chicória, citronela, couve, cravo de defunto, espinafre, galinha caipira, hortelã larga, leite in natura, mostarda, ovos caipira, pão, pato, pimenta bodinho, pimenta de cheiro, pimenta dedo de bruxa, pimenta dedo de moça, pimenta moranguinho, pimenta murupi, pimenta pitanga, queijo 400g, queijo 800g, repolho metade.
7 Pix é o pagamento instantâneo brasileiro criado pelo Banco Central, em que os recursos são transferidos entre contas em poucos segundos, a qualquer hora ou dia. Cf. https://bit.ly/3YNT5LU
8 Como exemplo dessa afirmativa, basta pensar sobre a acertada entrada do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no mercado financeiro. Cf: https://bit.ly/3DNBFaY
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