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Qual foi o impacto da Lei de Terras de 1850? Conflitos entre vizinhos no Brasil oitocentista: experiências em Valença e Campinas

¿Cuál fue el impacto de la Ley de Tierras de 1850? Conflictos entre vecinos en Brasil en el siglo XIX: experiencias en Valença y Campinas

What was the impact of the Land Act of 1850? Conflicts between neighbors in nineteenth-century Brazil: experiences in Valença and Campinas

Felipe de Melo Alvarenga
Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil
María Verónica Secreto
Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil

Estudios Rurales. Publicación del Centro de Estudios de la Argentina Rural

Universidad Nacional de Quilmes, Argentina

ISSN: 2250-4001

Periodicidade: Semestral

vol. 13, núm. 28, 2023

estudiosrurales@unq.edu.ar

Recepção: 27 Fevereiro 2023

Aprovação: 25 Agosto 2023



Resumo: Este artigo busca analisar como foi aplicada a Lei de Terras de 1850, o mais importante corpo legislativo sobre a questão fundiária do Brasil, com as suas disposições e punições estabelecidas pelo seu Decreto de 1854, e compreender como esta legislação foi operacionalizada na realidade social de duas localidades cafeeiras: Valença, no Vale do Paraíba Fluminense, e o município de Campinas, no Oeste Paulista. É imprescindível entender como a “nova propriedade”, discutida pela classe proprietária no seio do Estado dialogou, compactuou e confrontou com a realidade costumeira dos indivíduos que usufruíam diretamente da terra em uma lógica já de mercado e para o mercado. Neste caso, o tortuoso processo de criação da noção de propriedade deve ser averiguado a partir desta perspectiva analítica que confronta o texto legislativo, que particulariza uma determinada propriedade, com as relações sociais que expandem o olhar do historiador interessado nas diversas formas de ser proprietários.

Palavras-chave: Lei de Terras, Propriedade, Legislação.

Resumen: Este artículo busca analizar cómo se aplicó la Ley de Tierras de 1850, el cuerpo legislativo más importante sobre la cuestión de la tierra en Brasil, con sus disposiciones y sanciones establecidas por su Decreto de 1854, y comprender cómo se operativizó esta legislación en la realidad social de dos localidades cafetaleras: Valença, en el Vale do Paraíba Fluminense, y el municipio de Campinas, en el Oeste Paulista. Es fundamental comprender cómo la “nueva propiedad”, discutida por la clase propietaria dentro del Estado, dialogó, acordó y confrontó la realidad consuetudinaria de los individuos que disfrutaban directamente de la tierra en una lógica ya del mercado y para el mercado. En este caso, el tortuoso proceso de construcción de la noción de propiedad debe ser investigado desde esta perspectiva analítica que confronta el texto legislativo, que particulariza una determinada propiedad, con las relaciones sociales que amplían la mirada del historiador interesado en las distintas formas de ser propietarios.

Palabras clave: Ley de Tierras, Propiedad, Legislación.

Abstract: This article seeks to analyze how the Land Law of 1850, the most important legislative body on the land issue in Brazil, was applied, with its provisions and punishments established by its Decree of 1854, and to understand how this legislation was operationalized in the social reality of two coffee growing locations: Valença, in the Vale do Paraíba Fluminense, and the municipality of Campinas, in Oeste Paulista. It is essential to understand how the “new property”, discussed by the proprietary class within the State, dialogued, agreed and confronted the customary reality of individuals who directly enjoyed the land in a logic already of the market and for the market. In this case, the tortuous process of creating the notion of property must be investigated from this analytical perspective that confronts the legislative text, which particularizes a certain property, with the social relations that expand the look of the historian interested in the different ways of being owners.

Keywords: Land Law, Property, Legislation.

Introdução

Em 1850 o Brasil imperial aprovou uma lei de terras pela qual se adotava o modelo liberal para a aquisição e transmissão da propriedade, caminhando em direção à “modernidade jurídica”, que assegurava as garantias da inviolabilidade e a ilusão da plenitude da propriedade. A Lei de Terras, que estava em discussão fazia algum tempo, foi promulgada em 18 de setembro de 1850 e regulamentada pelo Decreto no 1.318 de 30 de janeiro de 1854. Pode ser considerado o primeiro e mais importante corpo legislativo sobre a questão fundiária do Brasil imperial e tinha como seus principais objetivos ordenar a propriedade da terra e disciplinar a apropriação territorial do país.[3]

Durante algum tempo, a historiografia sobre a Lei de Terras de 1850 afirmou que era necessária a promulgação de uma legislação agrária no Brasil, principalmente quando a pressão da abolição do tráfico de escravizados começou a se impor. Utilizando os debates legislativos e os relatórios dos Ministérios do Império, a historiografia ficou presa à estreita relação entre a política fundiária e a política de imigração (Dean, 1971; Costa, 1977/1987; Martins, 1979/2013; Carvalho, 1974/2014). Mas teremos que colocar essas questões em contexto. A afirmação sobre a incompatibilidade de homens e terras livres e as complementares formulações de “terra livre e homens presos” ou “terra presa e homens livres”, esconde as várias nuances das relações entre terra e trabalho (Secreto, 2001/2012).

Se adotássemos a hipótese de que a Lei no 601 de 1850 foi criada para cativar a terra enquanto se abria o mercado de trabalho, alguém poderia concluir, erradamente, que o Brasil escravista era uma “democracia fundiária”, na qual todos os homens livres tinham acesso à terra. Mas para a maioria desses a terra também estava confinada, sujeita ao domínio dos poderosos senhores que podiam excluir e expulsar, ou ainda incluir e abarcar como agregados, moradores e “clientela”, todas aquelas pessoas que pretendiam acessar à terra. Alienando-as com essas práticas do Animus domini, monopolizado (metaforicamente) pelos senhores de escravos. O Animus domini é a vontade de ter a coisa ou a consciência de ter pleno direito sobre algo; é um conceito totalmente político. Dessa forma, candidatos a moradores, agregados, foreiros, “camponeses” etc., eram destituídos do Animus domini; fingia-se que eles não tinham vontade de se ensenhorear ou não queriam ser senhores enquanto reconheciam o senhorio de outros. Em grande medida, é a forma pela qual os teóricos da propriedade a partir de Locke explicaram a existência de proprietários e não proprietários, ou de proprietários e camponeses expropriados. Não é demais lembrar que o reconhecimento do senhorio de alguém não foi destituído de violência física e simbólica (Pedroza, 2020).

A síntese da relação axiomática entre lei de terras e “mercado de trabalho livre” está condensada na seguinte frase de José de Souza Martins: “Se no regime sesmarial, o da terra livre, o trabalho tivera que ser cativo; num regime de trabalho livre a terra tinha que ser cativa.” (Martins, 1979/2013, p. 47-48). Essa interpretação se baseia no estrito texto da lei e na sincronia legislativa, posto que a Lei de Terras e a Lei Eusébio de Queirós, sobre o fim do tráfico escravista, foram sancionadas no mesmo mês de setembro de 1850. Mas não foi somente em 1850 que esses temas tiveram tratamento simultâneo. No projeto de lei de 1843, projeto que ficou “engavetado”, terra e trabalho apareceram juntos, como podemos ver no trecho abaixo:

As comissões reunidas de fazenda, agricultura e comércio examinaram o projeto de lei, vindo da câmara dos Srs. deputados, proibindo as aquisições de terras devolutas por outros títulos que não sejam de compra, assim como estabelecendo um moderado imposto sobre os terrenos cultos ou incultos, cujo produto tem de ser aplicado ao utilíssimo fim de auxiliar a emigração e estabelecimento de colonos úteis no império; e considerando as mesmas comissões nas vantagens que desta medida devem necessariamente resultar ao país, já firmando o domínio das terras e consolidando a propriedade rústica em geral, já promovendo a introdução e trabalho de braços livres que venham encher o vazio que deve deixar a falta de importação de africanos, é de parecer que o referido projeto, sendo digno da aprovação do Senado, deve entrar quanto antes na ordem dos trabalhos para ser discutido.

Paço do Senado, 12 de outubro de 1843. – Visconde de Abrantes – Conde de Valença – Marquês de Baependy – Vasconcellos.

É evidente que terra e trabalho estão relacionados de forma indissolúvel, mas não do modo mecânico de cativar a terra para importar “expropriados”. Para usar uma expressão popular podemos dizer que no projeto de lei de 1843 buscou mais “matar dois coelhos de uma cajadada só” que tratar dos dois temas de forma relacional. Quando a lei teve tratamento no parlamento houve uma apropriação dos discursos chancelados. Uns assumiram o discurso da legitimidade dos “títulos”, isto é, a legitimidade do papel escrito outorgado por alguma autoridade constituída; outros referendaram o discurso da produção, no qual o único título válido era a função econômica que se materializa na posse, perspectiva adotada por Locke no Segundo Tratado Sobre o Governo Civil.

Alguns autores perceberam certa tentativa de conciliação de interesses entre sesmeiros (aqueles que contavam com o título de concessão de sesmaria emitido pela Coroa Portuguesa) e posseiros (aqueles que realizavam atos possessórios e mobilizavam a “ocupação produtiva” da terra como forma de legitimar direitos de propriedade) no texto final da lei. Muitos senhores que possuíam cartas de concessão de sesmarias apossaram-se ilegalmente de terras devolutas antes de 1850. E isso aconteceu de maneira desenfreada entre o ano da independência e meados de século, período em que não houve nenhum constrangimento ou fiscalização a respeito da apropriação territorial, nem qualquer instituto que regesse as apropriações (Silva, 1996; Motta, 1996/1998; Secreto e Silva 1999; Secreto, 2001/2012). Colocamos “ocupação produtiva” entre aspas porque essa também foi uma construção discursiva dos que se apossaram de terras de fato, fazendo atos possessórios não necessariamente produtivos, mas asseguradores do domínio. Nas discussões parlamentares, alguns defenderam seus interesses utilizando o novo dispositivo ilustrado: o da produtividade como o principal fim da terra. O pensamento ilustrado, de cunho fisiocrata, salientava a importância da terra como elemento necessário para a produção e não como fim em si, ou instrumento de prestígio. Por esse motivo, os “posseiros” se constituíram como tendência política oposta aos sesmeiros, utilizando o critério econômico para justificar suas ações (Wood, 2001).

Voltemos à Lei. Um dos problemas reside, como Ligia Osório Silva (1996) diz, em saber se os aspectos que a lei pretendia conciliar eram realmente conciliáveis. A Lei de 1850 poderia referendar somente os direitos de propriedade daqueles que tinham cartas de sesmarias na mão – atendendo aos interesses de uma pequena parcela titulada da classe senhorial – e garantir que, no futuro, as terras devolutas não seriam mais acessadas livremente. Contudo, o texto legislativo não podia, simplesmente, fechar os olhos para as posses realizadas antes de 1850, pois, muitos senhores eram, na verdade, “grandes posseiros” que formavam suas fazendas incorporando terras mediante vários atos de apropriação não prescritos em lei (Silva, 1996; Motta, 1996/1998; Secreto, 2001/2012). Neste caso, a Lei também deveria acertar contas com o passado, prevendo algumas formas possíveis de regularização da terra dos fazendeiros que quisessem legalizar suas posses efetuadas fora dos marcos legais (Holston, 1993). Mas os próprios Barões do Café não acataram. José Murilo de Carvalho (1974/2014, p. 347-351) diz que foi uma Lei que não “pegou”.

Parece que a questão das garantias “legais” ou a segurança jurídica não era prioridade para quem já estava usurpando “propriedade” há algum tempo, como foi o caso da propriedade escrava. Lembremos que desde 1831, o tráfico de escravizados era ilegal. A classe proprietária do Império era uma classe proprietária sui generis, sem apego à segurança jurídica. Segura de que podia usufruir desses bens independentemente da ilegalidade de sua posse. Seu lema poderia ser: “aos amigos, tudo. Aos inimigos, a lei”. Em termos de direito positivo liberal, os títulos de que dispunham sobre a terra e sobre os escravizados não eram muito firmes (Parron, 2011).

Neste artigo, procuraremos avançar no debate buscando compreender não só o processo de construção da propriedade privada que teve como instrumento a Lei de Terras de 1850, mas também daquele processo de “realização da propriedade” a partir das relações sociais ao rés do chão no marco da promulgação da Lei (Congost, 2007; Alvarenga, 2019). Não estamos interessados na construção da ideia de propriedade criada pelos juristas, embora essas definições sejam levadas em conta. Nos interessa, sobretudo, a investigação das experiências dos atores sociais na interface entre a lei e a prática social (Thompson, 1987; 1998). Esta foi a forma encontrada para não cairmos na armadilha de uma ideia abstrata e sacralizada, que ofusca outros direitos de propriedade ao ratificar o título como a única solução histórica das relações jurídicas do homem sobre as coisas (Grossi, 2006; 2007).

Nosso objetivo específico é entender como foi aplicada a Lei de Terras de 1850, com as suas disposições, punições e enquadramentos estabelecidos pelo seu Decreto de 1854, e de como ela foi operacionalizada na realidade social de duas localidades cafeeiras: a Valença oitocentista, localizada na parte ocidental do Vale do Paraíba Fluminense, e o município de Campinas, no Oeste Paulista.

Área de
expansão do café do Vale do Paraíba para o Oeste Paulista
Figura 1
Área de expansão do café do Vale do Paraíba para o Oeste Paulista

Valença na província de Rio de Janeiro e Campinas na de São Paulo

Elaboração própria sobre mapas mudos do IBGE. Disponível em: https://geoftp.ibge.gov.br/produtos_educacionais/mapas_mudos/mapas_do_brasil/mapas_regionais/regiao_sudeste.pdf. Em destaque os dois municípios mencionados no artigo, Valença e Campinas.

A cidade de Valença foi uma das regiões centrais para a abertura da fronteira agrícola e comercial no Vale do Paraíba Fluminense. A colonização do Oeste Fluminense e a expropriação dos indígenas que ali habitavam permitiu que diversos sesmeiros e posseiros se instalassem ao redor do núcleo populacional formado no aldeamento criado para a missionação e descimento dos Coroados, Araris e Puris, nas primeiras décadas do Oitocentos. Após a Câmara Municipal de Valença apropriar-se das terras coletivas do aldeamento por volta de 1835, a fronteira aberta deu origem a diversas fazendas, sítios e situações, nas quais grandes sesmeiros, pequenos posseiros e médios proprietários construíram seus empreendimentos agrícolas, explorando o trabalho de caboclos, escravizados e livres e pobres que desmataram a região para formar os primeiros cafezais (Machado, 2012; Lemos, 2016; Alvarenga, 2019).

Por sua vez, a região de Campinas surgiu com a subida repentina do preço do açúcar no mercado mundial no final do século XVIII e começo do século XIX. Os primeiros fazendeiros buscaram plantar cana-de-açúcar e enriquecer, transformando o cenário da região, “que até então havia sido uma pequena paragem para tropeiros, caracterizada apenas pela existência de pequenos sítios que plantavam arroz, feijão e milho para a sobrevivência dos moradores locais.” Com o aumento da chegada dos escravos trazidos pelos senhores que se estabeleceram em Campinas no começo do século XIX, a pequena vila tornou-se uma das principais áreas de plantation da província de São Paulo, com uma população cativa superior à dos livres (Pirola, 2011, p. 57-62). A fronteira agrícola aberta pelo açúcar foi rapidamente substituída pela lavoura cafeeira; e a infraestrutura desenvolvida anteriormente na região acomodou-se perfeitamente com esta nova demanda comercial, materializada na plantação do café, produto com grande aceitação internacional no século XIX.

Buscaremos entender como a “nova propriedade”, discutida pela classe proprietária no seio do Estado dialogou, compactuou e confrontou com a realidade costumeira dos indivíduos que usufruíam diretamente da terra em uma lógica já de mercado e para o mercado nestas duas regiões econômicas bastante desenvolvidas. Neste caso, o tortuoso processo de criação da noção de propriedade no Brasil (Secreto, 2001/2012; Rodrigues, 2016; Paes, 2018) deve ser averiguado a partir desta perspectiva analítica que confronta o texto legislativo, que particulariza uma determinada propriedade, com as relações sociais que expandem, por sua vez, o olhar do historiador interessado nas diversas formas de ser proprietários (Congost, 2007; Alvarenga, 2019).

É imprescindível a análise do que a Lei efetivamente determinava e as tentativas de sua aplicação, assim como as resistências que suscitou, na criação de um novo espaço de relacionamento entre o Estado e os lavradores (Silva, 1996, p. 150-151). É crucial salientarmos o caráter plural dos direitos de propriedade, combatendo a forma habitual de ver a propriedade como algo estático e imutável, produzida por uma codificação jurídica, visto que os direitos de propriedade podem se transformar ainda que não haja uma modificação nas leis (Congost, 2007). Até porque o debate que se travou no Império do Brasil nas décadas de 1840 e 1850 dizia respeito e buscava impor somente um tipo de propriedade e, sobretudo, uma única modalidade de passagem do domínio público ao privado.

Para esta análise, optamos por um caminho nominativo para solucionar nossos problemas de pesquisa. Para o caso de Valença, cruzamos os nomes daqueles lavradores que apareceram como declarantes nos Registros Paroquiais de Terras, criados pelo Decreto de 1854 que regulamentou a Lei de Terras, com processos cíveis posteriores ao ano de 1850, mas anteriores às declarações compiladas entre os anos de 1854 e 1857. Assim, avaliamos quais foram as estratégias proprietárias que estes indivíduos utilizaram para chegar a declarar aquelas terras como suas nos Registros Paroquiais. Estes casos referentes ao imediato pós-1850 nos permitiram uma avaliação, em nível local, sobre os efeitos da Lei de Terras, que tentaria “controlar a fronteira” que foi aberta durante as primeiras décadas do século XIX (Machado, 2012; Alvarenga, 2019; 2021; 2022). Já para o caso de Campinas, utilizaremos processos de demarcação litigiosos que por outra via nos conduziram aos imaginários proprietários sobre os contornos da propriedade e os direitos em torno dela naquele período considerado.

A “Lei na Fronteira”: os extremos das propriedades a partir da década de 1850

Para os “proprietários”, o dilema da fronteira agrícola foi o de realizar novas apropriações ou disputar as antigas. Se bem novas terras envolviam o aumento da renda por causa da uberdade das terras virgens, as terras já ocupadas permitiam a maximização das benfeitorias, a utilização das estradas já traçadas, o acesso aos mercados e demais infraestruturas. Por este motivo, um dos problemas mais recorrentes nas áreas de expansão agrária, em especial o caso da cafeicultura no século XIX, se deu em torno dos limites entre propriedades. Mais especificamente nas reservas de mata que dividiam propriedades. O ato de ultrapassar os limites das propriedades e, consequentemente, o de derrubar as preciosas matas virgens em terras alheias foi um sinal da valorização do solo decorrente da exploração do café, tanto quanto do esgotamento das reservas de biomassa (Secreto, 2000).

A princípio, a apropriação privada no Vale do Paraíba se deu naquelas terras conhecidas como devolutas, onde a expansão cafeeira avançou nas primeiras décadas do século XIX depois da fronteira ter sido aberta pela colonização dos sertões (Machado, 2012; Lemos, 2016; Alvarenga, 2019; 2021; 2022), embora no caso do Oeste Paulista termos o fato da lavoura cafeeira avançando sobre uma antiga fronteira do açúcar. Entretanto, com a contínua disseminação da cultura do café na região da Mata Atlântica e com a concentração de terrenos nas mãos de particulares este processo ganhou novos traços: a luta entre vizinhos e litigantes se tornou mais frequente, prefaciando um dos problemas que viriam na segunda metade do Oitocentos, isto é, a diminuição das matas virgens – os primeiros sinais de “fechamento da fronteira” (Fragoso, 1983; 2013; Secreto, 2000). Estes litígios se acumularam a partir da década de 1850, momento em que foi promulgada a Lei de Terras, que buscaria disciplinar, justamente, aquele acelerado movimento (violento) de apropriação fundiária e controlar o apossamento que rapidamente transferia terras públicas para as mãos privadas (Silva, 1996).

Neste momento, na discussão do Senado, alguns parlamentares se perguntavam sobre a extensão do Brasil. Sobre qual superfície do território essa lei teria ingerência? Algumas fontes citadas apontavam que o Brasil teria 356.896 léguas quadradas. O Visconde de Abrantes, por sua vez, corrigiu ao Sr. Vergueiro que tinha estimado que 1/3 da superfície já estaria ocupada. Na ocasião, disse: “atrevo-me a negar que mesmo um terço da nossa superfície esteja ocupada". Já Baptista de Oliveira buscava estabelecer uma relação mais precisa entre a população e a superfície ocupada. A esse respeito, calculava que aproximadamente 8% do território estaria ocupado (Anais do Senado, 1850, livro 5). Podemos dizer que foi a fronteira que motivou políticas específicas sobre a ocupação do território. Obviamente esta era a intenção, que não foi necessariamente atingida, no que tange ao controle dos estoques de terras públicas.

Para avaliar a pressão por terras na fronteira, iremos analisar alguns casos referentes a conflitos nos limites das propriedades campineiras e valencianas, no Oeste Paulista e no Vale do Paraíba, respectivamente.

A Lei de Terras estabelecia que:

Art. 2º: Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nelas derribarem matos ou lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de benfeitorias, e de mais sofrerão a pena de dois a seis meses de prisão e multa de 100$, além da satisfação do dano causado. Esta pena, porém, não terá lugar nos atos possessórios entre heréos confinantes.

Os juízes municipais eram os conservadores das terras devolutas e deveriam atender também as denúncias de apossamentos ou derrubadas de matas em terras particulares. Mas esses juízes só poderiam intervir de forma direta se a "invasão" em terras particulares não fosse realizada por um confinante; nesse caso, o interessado em defender seu direito deveria acudir à justiça civil. De outra parte, a negligência por parte de delegados e subdelegados de juízos municipais seria julgada em “multa de cinquenta a duzentos mil réis, e, no caso de maior culpa, prisão até três meses”; cabendo aos Juízes de Direito investigarem se os Juízes Municipais estariam processando “os que cometerem tais delitos”, como expresso no artigo 90. Os oficiais da justiça podiam ser culpabilizados caso a fiscalização do apossamento não estivesse sendo cumprida em nível local, mesmo que os apossadores de terras particulares, que cometessem o acusado delito, só estivessem sujeitos a penas menores sob forma de ações cíveis. Logo, havia também um constrangimento imposto pela Lei para aqueles responsáveis em aplicá-la no âmbito municipal. De qualquer forma, o artigo 108 estabelecia que:

Art. 108º: Todas as pessoas, que arrancarem marcos, e estacas divisórias, ou destruírem os sinais, números, e declarações, que se gravarem nos ditos marcos, ou estacas, e em árvores, pedras nativas etc., serão punidas com a multa de duzentos mil réis, além das penas a que estiverem sujeitas pelas Leis em vigor.

É importante frisar que até meados do século XIX era uma prática muito difundida a de “imprecisar” os limites das propriedades através de descrições confusas com vistas a novas apropriações. A partir da década de 1860, os fazendeiros fluminenses e paulistas mostram uma clara intenção de definir suas propriedades, embora para isto fosse necessário entrar nas tramas do judiciário. Estas práticas, por sua vez, têm características bastante precisas: a propriedade se limita vis-à-vis à propriedade vizinha. Disso decorre uma das características da nova conjuntura. Como não há disponibilidade de terras devolutas nos entornos das terras ocupadas, não era vantajoso manter a imprecisão dos limites.

As demarcações e divisões nos aproximam dos conflitos sobre os limites da propriedade e, também, nos aproximam dos antecedentes históricos das propriedades incluídas nos processos. Mantemos a hipótese de que o conflito de vizinhança no século XIX, nas áreas rurais das duas regiões estudadas, revestiu a forma do conflito sobre a definição dos limites das propriedades, porque historicamente a propriedade se define no “cercamento”, e porque esse define o “encerramento” de um quantum de biomassa que era a que podia dar fertilidade ao solo que se traduzia em maior renda da terra. Tendo isso em vista, analisaremos um conjunto de processos de demarcação de terras, porque estes nos aproximam dos conflitos de limites e de confirmação do domínio.

Demarcando fazendas em Campinas...

Em 1852, Luciano Teixeira Nogueira em conjunto com João Baptista Pupo de Moraes e sua mulher Dona Luiza Gabriela Nogueira, apresentou ante o Tribunal Civil um pedido de ação Finium Regundorum por si e como tutor natural de seus filhos menores e de sua mulher Dona Angela Izabel de Almeida Nogueira. Eles, autores, solicitam de Antônio Januário Pinto Ferraz e sua mulher dona Damiana Alejandrina da Silva Marques, vizinhos e, para os fins da causa judicial, réus, que comparecessem à primeira audiência para acertar os limites entre as propriedades de ambos.[4] Para que a ação Finium Regundorum – ou qualquer outra de divisão ou demarcação de terras – tivesse lugar, era necessário documentar a causa. Por este motivo, os processos mencionados são ricos em documentos fundiários. Escrituras de compra e venda, inventários, cartas de sesmarias, outras demarcações, etc. nutrem esses processos.

Os autores definem os limites como “confusos”. Como muitas vezes, a confusão provém de que as duas propriedades já haviam formado uma só, que tinha pertencido ao Coronel Francisco Pinto Ferraz. Da partilha de seus bens foram originadas duas fazendas: o de Atibaya e o da Caxoeira, os quais tinham as terras “unidas e misturadas”. Na avaliação, estabeleceu-se a divisa que devia ficar entre uma e outra propriedade. Na partilha dos bens ficou o engenho da Caxoeira para os herdeiros Joaquim Lopes Guimarães e filhos, e o de Atibaya ao herdeiro Antônio Januário Pinto Ferraz. Os primeiros, autores da causa que analisamos, apresentam-se como senhores e possuidores do sítio da Caxoeira por ação de compra; o segundo autor está representando o quinhão que foi de Firmino da Cunha Rego (apesar de haver sobre isso um pleito), mas que tinha sido comprado por Joaquim Quirino dos Santos – comprador de Rego. Dado que as terras estariam, na definição dos autores, “unidas e misturadas”, solicitaram a competente ação Finium Regundorum.

A esta situação de confusão se somava outro problema, também recorrente nas disputas sobre os limites, que é o das matas virgens ou capoeiras. Capoeira era um vocábulo indígena que significava: de caá - mato, mata floresta – e de oera - que foi, que existiu - muito utilizado nas zonas de divisa. Segundo consta:

… o suplicado está derribando matos no lugar divisório e que talvez não lhes pertenção, e sem necessidade de afazer e quiçá somente com o fim de perjudicar aos suplicantes, por isso requerem igualmente que os suplicados sejão intimados para não proseguirem até ultimação da demarcação...[5]

O engenho de cana era um complexo que exigia várias áreas: canavial, mato para lenha, pastos e terra para mantimento, além das instalações para beneficiamento. Ao analisar as práticas de transmissão da fortuna, Carlos Bacellar salienta a reticência à divisão dos engenhos. Haveria uma grande diferença entre possuir mais de uma propriedade e possuir uma propriedade por unificação de frações. Pelos cadastros de terra de 1818 e de 1855, o autor nota que as múltiplas propriedades nas mãos de um único indivíduo estavam traduzindo a diversificação interna de um engenho de açúcar, que requeria a reserva de áreas distintas para o plantio de cana-de-açúcar e de mantimentos, para a formação de pastagens e para reserva de matas, que significava a obtenção de lenha. “As notícias de falta de lenha em municípios tal como Itu e Jundiaí levantam-nos dúvidas quanto à real disponibilidade dessas terras de exploração secundária.” (Bacellar, 1987, p. 184-187). A falta crônica de lenha levou rapidamente os fazendeiros do Oeste Paulista a abandonar a cana pelo café. “O problema da lenha para as fornalhas era muito sério, principalmente devido aos métodos depredatórios usados pelos lavradores imprevidentes, aos quais não interessava o dia de amanhã...” (Petrone, 1968, p. 81). Não era que não lhes interessava o dia de amanhã; para amanhã havia mais terras disponíveis. Mas quando estas começaram a ficar muito longe, a pressão sobre o recurso da mata foi maior e as disputas mais frequentes.

O problema das matas continuou durante todo o século XIX, apesar da orientação da região para o café que demandava menos lenha que o açúcar, como se evidencia a seguir:

... tem elles há meses (há menos de anno) invadido as terras da mesma fazenda, fazendo derribar madeiras em mattas pertecentes ao suplicante, que d'ali hão tirado e empregado em obras em seu proprio sitio.

... tanto mais sciente e maliciosamente, quando a par do rumo, claro e conhecido, suas terras achão-se em efetiva lavoura, ou cobertas de baixa vegetação natural em paragens anteriormente lavrados, e só as do suplicante contem matta, sem aparecer outro vestigio de lavoura alem d'aquelle antigo cafesal, de que só por consentimento e favor do suplicante tem elles tratado em uma pequena parte.[6]

Desta forma, o processo movido por Luciano Teixeira Nogueira apresenta-nos o problema em sua dupla dimensão: por um lado, a ultrapassagem dos limites da propriedade e, por outro, a derrubada das “preciosas” matas.

Se para os “privados” demarcar a terra foi fundamental para manter as funções econômicas de suas propriedades, para o Estado a urgência não era menor. O Ministro da Agricultura do Império relatou em 1860 que os trabalhos de demarcação das terras públicas – separando-as das privadas – continuava, e não só para verificar de quanta terra dispunha o Estado, mas também para evitar a devastação de matas e florestas. Isso devido a vários motivos: porque isso prejudicava ao Estado, porque fazia escassear a madeira para construção e porque prejudicava a fecundidade das terras (Relatório do Diretor das Terras Públicas, 1861, p. 27). Estas ideias já tinham sido manejadas há algum tempo: em 1822, José Bonifácio de Andrada e Silva sugeriu nas Cortes e na Assembleia Constituinte que se obrigasse os fazendeiros a manter reservas florestais nas suas propriedades.

Ao fazer referência às disputas para esclarecer limites entre fazendas, Warren Dean (1996, p. 231) dizia que o que estava realmente em jogo não era a terra, mas sim era a biomassa viva das árvores que se reduziram a cinzas, o húmus, a vida de micróbios e insetos, a fertilidade de que podia se extrair lucro.

Em 1854, outra ação Finium Regundorum é apresentada no mesmo Tribunal Civil. A autora, Francisca Maria de Oliveira, que disse ser senhora de um sítio e terras de lavouras no bairro de Matto Dentro aquém do rio Atibaya, no município de Campinas, por compra que fez de partes e por legítima. Carlos Bacellar (1987) define este tipo de proprietário como herdeiro unificador. É aquele que mantém a unidade anterior da propriedade. Este papel é permitido porque existiria a possibilidade para os outros herdeiros de instalarem-se na região pioneira com o obtido da venda de seu quinhão hereditário; assim, os herdeiros “cedentes” poderiam comprar terra muito mais barata. Acontecia, dizia a autora, que estando confusos os limites, na parte que confinava com os réus, queria por meio da ação competente fazer demarcar e aclarar os antigos limites.[7]

Uma das divisas, a do espigão, estava reconhecida há mais de 20 anos, tempo em que pela linha limítrofe a autora, ou talvez seu pai, fizeram cultivos, deixando matas virgens na mesma linha para o lado dos réus. Entre os 11 pontos com que responderam os réus, eles argumentam que derrubaram matos virgens para plantar na fronteira por três vezes, a 1ª fazia cinco anos, a 2ª fazia três, quando plantou o café que confina com os ditos cultivos da autora; e a 3ª fazia dois anos. Diziam também que dois anos atrás o filho e administrador da autora, Antônio Martins, pediu e obteve licença dele, réu, para tirar lenha das derrubadas; nessa mesma ocasião ele permitiu a João da Matta Martins, outro filho da autora, plantar uma roça no mato da divisa.[8]

O advogado da autora lembrava que a divisa em dúvida era a que limitava com as terras que eram de Ignácio Barbosa, que as tinha vendido ao Senador Queiroz, o qual as passou ao Comendador Querubim Uriel Ribeiro de Camargo Castro em uma troca. Aquela divisa, dizia o advogado, teria que seguir o espigão e, pela descrição que aparece na escritura de compra e venda entre Ignácio Barbosa e o Senador Queiroz, no tempo em que foi passada esta (1839), não estava a linha divisória traçada, pois que se tivesse e fosse pelas plantações da autora, teria sido explicitado. O senador Queiroz trocando-o no mesmo ano – 53 dias depois da escritura – havia passado aos réus as terras da mesma forma que as tinha recebido.

Mas porque a autora reclamava logo agora, depois de tanto tempo sem demarcação das terras? O advogado diz, que levada por escrúpulos, a autora, não querendo ultrapassar os limites, ficou com suas plantações aquém da divisa, até que três anos antes da reclamação, quando os confinantes derrubaram o mato virgem que havia, reconheceu que suas terras iam além de onde tinha chegado, já que este não era o centro do espigão, isto é, da parte mais alta do terreno.

As matas formavam uma espécie de reserva. Reserva de lenha, de madeira e de terras férteis, utilizadas só quando cansadas as outras, ou justamente reservadas para valorizar as propriedades. Dona Francisca obviamente necessitava da mata. De fato, seus filhos tinham pedido permissão para tirar madeiras da derrubada que realizou o vizinho, não necessariamente das madeiras do vizinho.

Se as pretensões de Francisca estavam bem representadas pelo seu advogado, não menos perspicaz era o do Comendador. Segundo este, tinha sido o réu quem derrubava matos virgens encostados aos cultivos da autora e, nesta ocasião, tinham sido os próprios filhos dela que pediram como favor trabalhar nos lugares da derrubada; tudo isso formando, segundo o réu e seus advogados, um reconhecimento de domínio. Outro argumento da defesa do réu foi que a autora cultivou o terreno até onde achou que lhe pertencia. Não podia descobrir o cume do espigão enquanto estava coberto de mato; e logo quando o seu vizinho derrubou, quis fazer a divisa porque então verificou que o cume do espigão estava ainda além dos cultivados. A autora tinha cultivado até onde pensou ser o limite de seu domínio e respeitou o terreno em que ficou o mato virgem como devendo pertencer ao seu confinante. O advogado salientou que a autora fez as divisórias como ela quis, até perceber que poderia ter ido além com seus cultivos. Os réus insistiam em que, em diferentes momentos, os vizinhos tinham reconhecimento do seu domínio, mas é claro que o reconhecimento de domínio se sustentava no desconhecimento da topografia do terreno. Quando feita a demarcação, essa foi realizada seguindo o centro do espigão, como não poderia ser de outra forma, dado o costume e a jurisprudência.

O caso é bastante padronizado entre os que demonstram o esgotamento dos estoques de matas nas fazendas. Se o comendador não tivesse começado três anos antes a derrubar a mata, Francisca não teria percebido que o centro do espigão não tinha sido atingido quando se traçou a anterior divisão entre as fazendas.

Em 1881, o Coronel Manoel Elpídio Pereira de Queiroz escreveu uma carta a seu amigo e vizinho João de Souza Camargo na qual dizia que, estando sua filha doente, não podia ir falar pessoalmente. No dia anterior, tinha ouvido bulha de machado na vargem da serra e soube que era uma derrubada nos matos que pertenciam a ele e seu sócio, da firma Queiroz & Aranha, e que a derrubada tinha sido ordenada por João de Souza Camargo. O coronel convidou seu vizinho a conferir os documentos e a fazer divisa entre as duas propriedades. Expressava desejar resolver amigavelmente (Queiroz, 1965, p. 78). Quase trinta anos antes, em 1852, o mesmo proprietário também tinha decidido resolver amigavelmente outra disputa, que terminou nos tribunais. Tinha escrito uma carta a seu vizinho, o Padre João Manoel de Almeida Barbosa, que tinha derrubado madeiras em suas terras e construído uma ponte sobre um córrego para poder tirá-las. Manoel Elpídio pedia que ele reconhecesse que aquelas matas estavam em terras que lhe pertenciam e parasse de tirar madeiras, “…pois não ignora V. Rm°. que estragando-se as madeiras ficam muito defeituosos os sítios.” (Queiroz, 1965, p. 147).

No período republicano, os problemas demarcatórios continuaram. Com maior densidade demográfica e maior número de transferências das propriedades os litígios avultavam, tanto pelas subdivisões quanto pelas questões relacionadas com a “memória dos limites”. Em 1898, Antônio de Souza Queiroz, residente em São Paulo e senhor e possuidor da fazenda Quilombo, da freguesia de Santa Cruz da comarca de Campinas, que lhe tinha doado seu finado pai, o Senador Francisco Antônio de Souza Queiroz, apresentava-se ante os tribunais buscando esclarecer os limites de sua fazenda. Essa fazenda abarcava a sesmaria concedida aos tenentes Ignácio Ferreira de Sá e João José da Silva à margem do rio Atibaia, de uma légua em quadra, sesmaria que foi demarcada no ano de 1798. Um ano depois, isto é, em 1799, começou a demarcação da sesmaria de Monte Alegre, entre a dos tenentes Ignácio Ferreira de Sá e João José Teixeira, concedida ao Alferes João de Barros Pedroso, cujo último rumo, Nor-Nordeste, terminava sobre o rumo do Quilombo.[9]

No ano de 1862, o pai do autor teria comprado de Carlos Augusto do Amaral e sua mulher parte da sesmaria de Monte Alegre, por uma linha do Brejo Grande margeando o rio Atibaia. As terras da fazenda Quilombo conservam-se, no correr do rumo, em mata virgem, exceto uma parte junto à estrada, lugar chamado Estiva, que teria sido abusivamente roçado no ano de 1894 por Francisco Carvalho de Barros.

Do domínio do “bom e respeitoso” vizinho José Joaquim de Oliveira Fernandes passou a fazenda Monte Alegre a seu filho João Manoel de Oliveira Fernandes, e deste a seu genro Francisco Carvalho de Barros. Desde então os proprietários da fazenda Monte Alegre teriam desrespeitado o rumo divisório. Eles teriam tirado madeiras de terras pertencentes à fazenda Quilombo, e teriam feito roçado. Outros confinantes em seguida a estes também teriam invadido terras pertencentes ao autor.

Para efeitos de demarcação, dever-se-ia chamar a todos os confinantes. Ocorria, porém, que sendo as terras adjacentes a uma das partes do rumo de “baixa qualidade e possuídas por pretos”, que não saberiam dar perfeitas indicações a respeito, era possível que houvesse algum confinante ou interessado na demarcação desconhecido. Não sabemos se esses moradores “pretos” eram os do antigo quilombo que dava nome à fazenda ou teriam chegado ali posteriormente, quando as terras já foram degradadas. Mas é evidente que se trata de um bairro rural (Candido, 2017) ou comunidade de negros livres que de alguma forma incomodavam a seus vizinhos sem poder denunciar “invasão”.

Os proprietários de Monte Alegre disseram que esta fazia parte da sesmaria do mesmo nome, cuja demarcação foi iniciada em abril de 1799. Reconheceram a existência da cruz mencionada pelo autor; mas, segundo eles, e baseando-se nas declarações de outros vizinhos, o rumo devia passar mais ou menos próximo de um taco de cedro, que estaria na beira da Estrada dos Fazendeiros.

Embora o rumo tivesse sido traçado antigamente, sendo unicamente estabelecido nos autos de demarcação, os réus salientam as dificuldades, devido à quantidade de anos passados. Lembram que existem, teórica e praticamente, formas de determinar um rumo traçado a dezenas ou centenas de anos, pela declinação da agulha, sujeita às condições do tempo. O rumo de nor-nordeste, comum às propriedades em litígio, era aquele que o engenheiro deveria buscar, estudar e traçar.

Este processo é relativamente volumoso e é extremamente rico.[10] Depois de realizados os trabalhos de medição, o juiz dá por certa a demarcação. Mas Francisco de Carvalho Barros apela com outro advogado e com um estudo especial feito por Teodoro Sampaio (1890), o engenheiro negro filho de uma escrava da Bahia, Domingas da Paixão do Carmo.

Si não fora o claro e succinto trabalho do eminente engenheiro Th. Sampaio... O eminente mathemático, porem, a cujo auxilio nos soccorremos em boa hora, destrincou por tal maneira as varias questões de agrimensura, as varias questões de geografia, as várias questões histórico-juridicas das antigas datas, chamadas sesmarias, que ler o seu brevíssimo quão succulento trabalho é ver com coincidencia que o resultado desta causa está principalmente posto nas mathematicas, que no direito civil.[11]

Como já foi dito, a chave do conflito estava no rumo nor-nordeste, que dividia as duas sesmarias, demarcadas em 1799. Este rumo tinha sido sinalizado com uma série de marcos de madeira. O que se tentava determinar era qual o ângulo da linha reta que faria a divisa. Neste quesito é que o trabalho de Teodoro Sampaio foi esclarecedor: em primeiro lugar, diz que era usado entre os pilotos antigos utilizarem a expressão “rumo de meia partida” como sinônimo de “faz ângulo reto”. Por este motivo, apareceu na demarcação da sesmaria dos tenentes que “... se declara que a légua de sertão correria pelo rumo correspondente a quadra da testada, isto é, que a linha de fundo se tiraria perpendicular à légua de testada.[12]

Este esclarecimento já resolvia uma boa parte do problema. A outra contribuição de Sampaio também se refere ao tipo de prática levada pelos pilotos antigos. Segundo Sampaio, estes não costumavam calcular a declinação da agulha magnética. A declinação da agulha magnética em 1798 era, segundo seus cálculos, 8° 30’ NE; conhecido o meridiano, a verdadeira solução era corrigir o rumo. Os trabalhos de medição eram caros e demorados. Tavares Bastos diz que a demarcação de terras no Brasil era de cinco a oito vezes mais cara que nos Estados Unidos (Bastos, 1976, p. 71).

... E resolvendo pendências com os vizinhos de Valença!

Os problemas no “moderno” Vale do Paraíba não eram muito diferentes. Em Valença, Francisco Correia de Azevedo e seu irmão Antônio foram acusados, em 1855, de terem “invadido” a posse mansa e pacífica de uma fazenda de cultura pertencente a Antônio José Dutra Navarro.[13] Os irmãos contrapuseram o embargo dizendo que compraram aquelas terras. Ou seja, apresentaram o título moderno de compra, tão referendado pela Lei de Terras. Isso não quer dizer que os irmãos tivessem comprado a terra dentro do marco da nova lei. A compra pode ter acontecido antes de 1850.

É que a terra era comprada e vendida antes mesmo da própria Lei estabelecer essas transações como o mecanismo de transmissão consagrado pelo Estado. Existiu a mercantilização da terra “privada” ou melhor dito, apropriada, antes de existir a mercantilização da terra pública. A pergunta que devíamos nos fazer é que direitos se compravam e se vendiam antes de 1850?

Mecanismos de “mercado de terras” foram encontrados em período tão prematuro como o de 1763 a 1808. Podemos não concordar com a tese de Edval de Souza Barros de que existiu um mercado de terras, mas que a terra (seu uso) se comprava e se vendia desde o Antigo Regime é um dado que o mesmo autor comprova largamente (Barros, 1997). Ao encontro dessa hipótese vai a de Maria Sarita Mota que chama a atenção para o fato de que, se no momento do requerimento das doações de terras, eram realizadas exigências de medição, demarcação e cultivo, a obrigação “moral” do cultivo foi perdendo importância. O que se seguiu, diz a autora, na prática cotidiana, foi a alienabilidade dos domínios logo após as primeiras concessões. “Uma vez cumpridas as exigências legais do que se poderia caracterizar como uma concessão política de terras, o sesmeiro tornava-se proprietário, de fato e de direito, de uma parcela do território colonial, desde que não houvesse duplicidade dos registros.” (Mota, 2012, p. 29).

Contudo, algumas expressões apareceram para acompanhar este direito de compra, tais como: compra feita “na melhor boa-fé”; compra “publicamente celebrada nesta vila” ou, por exemplo, “uma propriedade que haviam comprado pública e legitimamente”.[14] Por que os irmãos tiveram que frisar que aquela compra foi reconhecida pela vizinhança? O título “moderno” de compra não bastava para confirmar seu direito de propriedade na justiça? A Lei “moderna” de Terras teria que prestar contas com os outros dispositivos legislativos do Direito Comum para afirmar a noção de propriedade? O pluralismo jurídico e as multinormatividades ainda vigoravam mesmo depois de aprovada a codificação de terras em 1850? (Rodrigues, 2016; Paes, 2018).

A hipótese que tentaremos confirmar é a de que a justiça local buscava punir o “invasor” quando os fatos se tornavam públicos e notórios em Valença. Por outro lado, havia uma gama de estratégias que contornavam as situações, nuançando um pouco mais a realidade publicizada. Punindo somente os atos possessórios “turbativos” ou somente a destruição das benfeitorias, a justiça local lidou com variadas versões até chegar ao ponto de ter que pedir novas vistorias porque o caso estava muito nebuloso para ser julgado. Como os proprietários práticos de Valença lidaram com este controle legal do apossamento na vizinhança? O que prevalecia: o código legislativo moderno ou o apossamento ilegal e costumeiro? Vejamos os casos a seguir.

A destruição de benfeitorias era também outra complicação para aqueles que fiscalizavam a situação de fronteira depois da promulgação da Lei de Terras. Os bens adjuntos à terra também podiam ser destruídos como forma de atingir, indiretamente, o vizinho litigante. Foi o que aconteceu com Manoel Antônio Rodrigues Guião quando acusou seu vizinho, Joaquim Reginaldo de Souza Werneck, pela queimada de uma grande porção de lenha que pertencia a Guião.[15] Este pedia uma indenização pelo prejuízo, estimado na faixa de 480$000 a 680$000 réis.

Segundo Guião, foi feita uma derrubada nos matos virgens pertencentes a sua propriedade. Desejando aproveitar os paus e madeiras que derrubou, mandou seus trabalhadores juntarem o material e fazerem uma lenha. No total, havia de 80 a 100 carros de lenha colhida. Para além da terra, existia uma significativa biomassa viva nas matas. A alienação de madeiras e lenhas produziria um bom lucro para Guião no mercado local. Mas, sem respeitar o interesse do vizinho, Werneck atiçou fogo em tudo.

Contrariando os artigos do embargo, Joaquim Reginaldo de Souza Werneck alegou que Guião, em sua derrubada nos matos virgens, “invadiu” a propriedade vizinha de sua sogra, dona Ana Francisca de Azevedo Manso, e aí mandou rachar lenha que não lhe pertencia. Por este motivo, ele lançou fogo na madeira, empregando para isso quatro “pretos”. Segundo ele, quem deveria pagar ou indenizar os estragos em propriedade alheia era o próprio Rodrigues Guião.

A justificativa de Werneck era a defesa da propriedade familiar. Ele era feitor e administrador da fazenda da sogra e lhe cabia proteger estas terras a todo custo. Mais representativa do que a suposta “invasão” da propriedade alheia, o atear fogo na lenha materializou sua estratégia de confirmar que aquele domínio não pertencia a Guião: o bem material queimado foi o meio para demonstrar o seu poder ao vizinho.

O pai dele, Reginaldo de Souza Werneck, também era bastante prático na hora de demonstrar o seu poder na vizinhança. Duas décadas atrás, o pai havia soltado dois cães de caça em roça alheia e pedia uma indenização por encontrá-los mortos com chumbo, ao atacarem os porcos que se encontravam na fazenda de Manoel de Avellar. Parece que a liberdade de soltar esses animais em roça alheia já era indício de que os Werneck eram bastante pragmáticos na hora de se aventurar por aí.[16]

A propósito, as terras da vizinhança já tinham sido alvo de um auto de medição judicial no ano de 1852.[17] Rodrigues Guião desejava estabelecer as divisas com seus vizinhos, estando aí incluso o próprio Joaquim Reginaldo de Souza Werneck. Havia uma complicação durante o processo de demarcação, pois já existia uma medição anterior que Guião dizia prejudicar algumas terras de sua propriedade, por onde

se projetou um ângulo sobre as terras que pela divisão natural pertence e deve ficar anexa ao terreno do embargante. Provará que esses ângulos contêm matas virgens de cafés maduros e mais utilidades o que fica o embargante provado (...) ficam as benfeitorias e todo o estabelecimento do embargante em depreciamento pela projeção desse ângulo.[18]

Foram também relatadas algumas transações de compra e venda entre aparentados e vizinhos, “unidas umas às outras”, e que não teriam sido levadas em conta naquela medição. Guião afirmou, inclusive, que a terra em que se achava a lenha foi por ele comprada, fato que seria confirmado por algumas testemunhas, a despeito de não ter sido apresentado nenhum título. Ao requerer na justiça uma nova demarcação, Guião ficou satisfeito, porque ao final do processo foi confeccionado o novo mapa topográfico, desistindo dos embargos anteriormente lavrados em 1852. Abaixo seguem os mapas confeccionados pelos agrimensores no momento considerado.

Mapas topográficos e processos demarcatórios
Figura 2
Mapas topográficos e processos demarcatórios
AMJERJ/CCPJ: Nome da parte 1: Manoel Antonio Rodrigues Guião e sua mulher. Ação: Cível – Demarcação. Ano do Processo: 1852. Comarca: Valença. Caixa: 1748. RG: 016739/D. Códice: 17530, p. 76; p. 92.

Mapas topográficos e processos demarcatórios
Figura 3
Mapas topográficos e processos demarcatórios
AMJERJ/CCPJ: Nome da parte 1: Manoel Antonio Rodrigues Guião e sua mulher. Ação: Cível – Demarcação. Ano do Processo: 1852. Comarca: Valença. Caixa: 1748. RG: 016739/D. Códice: 17530, p. 76; p. 92.

Essas matas virgens, todavia, eram almejadas pelos vizinhos ao representarem a possibilidade de cultivar terras férteis ainda não aproveitadas. Em vista disso, mesmo depois do estabelecimento dos limites, era inteligível continuar disputando estes terrenos e até mesmo a lenha proveniente da derrubada das árvores. Por este motivo, Guião reiterava que havia comprado aquelas terras para se contrapor à propriedade familiar defendida por Werneck.

Segundo as testemunhas apresentadas por Guião, a lenha foi queimada próximo aos rumos das terras de Ana Francisca de Azevedo Manso, “no lugar por onde passa um córrego”, onde os trabalhadores de Werneck já o tinham ultrapassado de maneira abusiva para queimar algumas coivaras e “plantar algum arroz”.[19] No entanto, os depoimentos da parte contrária afirmavam que o território era pertencente à sogra de Werneck, pois se localizava para além do córrego citado. Ele servia para limitar as terras de Ponciana Cândida de São José, onde foi comprada uma porção delas por Joaquim de Souza Werneck, “servindo o dito córrego sempre de divisa”.[20]

Estava difícil definir os limites destas propriedades. A justiça tentou direcionar os seus olhares e apurar a contenda pelo lado mais pragmático do conflito ao ser a destruição das benfeitorias fato público e indiscutível: a queima da lenha alheia foi interpretada como um “ato destruidor e violento”, ainda que Werneck “provasse o seu domínio”.[21] Werneck teve que pagar o prejuízo no valor estipulado. A multa constante nos artigos da Lei e do Regulamento não daria conta de restituir o prejuízo de toda a lenha queimada. Entretanto, parece que o conflito não chegou a comprometer seus patrimônios. Ana Francisca de Azevedo Manso[22] e Manoel Antonio Rodrigues Guião[23] continuavam residindo na região, declarando suas terras – a fazenda Pouso Alegre da sogra de Werneck e as situações de Cambota e Santo Antônio de Rodrigues Guião – no ano seguinte ao litígio, em 1856.

Apareceram nos Registros Paroquiais que essas terras eram “medidas e demarcadas”, o que não dissipou novos conflitos. Além disso, mais uma vez a Lei foi aplicada parcialmente, somente para multar a destruição das benfeitorias. Guião também instrumentalizou as punições previstas no código legislativo só para atacar seu vizinho. Enquanto isso, mais lenhas continuavam sendo retiradas, mesmo que estas práticas não fossem levadas à justiça local.

Notando a importância das matas virgens, Joaquim Gomes de Souza e sua mulher acusaram, em 1857, Manoel Pinheiro de Souza e seus trabalhadores contratados, por terem feito uma derrubada e roçada nas terras de sua fazenda, denominada Conceição da Serra, na comarca de Valença, medida e demarcada e com os respectivos títulos comprobatórios.[24] Joaquim Gomes de Souza[25] apareceu algumas vezes nos Registros Paroquiais, declarando terras para seus filhos, João[26] e Antônio Gomes de Souza[27], em terras da sesmaria de Conceição da Serra, e até enquanto tutor dos filhos[28] de seu segundo casamento com Antônia Luiza Nogueira de Miranda e Souza.[29]

Aconteceu que Manoel Pinheiro de Souza estava grassando e derrubando, aproximadamente, quatro alqueires de planta nas matas virgens do vizinho, utilizando facas e machados nestes “serviços predatórios”. Em sua defesa, Manoel disse que este terreno era de sua antiga posse, tendo estabelecido nela, há muitos anos, agregados que aí viviam e que praticaram com ele os atos possessórios.

O mesmo Manoel Pinheiro de Souza[30] Registrou, em 1856, duas fazendas em seu nome, uma denominada Santa Cruz e a outra denominada Conceição, medida e demarcada, e que tinha como um dos seus confrontantes o próprio capitão Joaquim Gomes de Souza. O declarante afirma que possuía a primeira fazenda por herança de seus pais e por compra a outros herdeiros e a fazenda da Conceição pela compra feita a José Pinheiro de Souza e outros. Será que se tratava da mesma fazenda da Conceição da Serra declarada anteriormente por Joaquim Gomes de Souza?

Ambos tinham direitos legais sobre aquelas terras, com títulos de propriedade balizados por herança ou compra, exatamente como era estabelecido no primeiro artigo da Lei de Terras. Contudo, o que estava em jogo era a posse de um terreno virgem, localizado nos extremos de suas propriedades, que assegurava não só a valorização das terras, como também a oportunidade de seguirem cultivando sem investir muito capital na recuperação do solo cansado (Fragoso, 1983). Dessa forma, apostava-se na incorporação de novas terras e não na restauração daquelas antigas e já legalizadas.

Conforme a justiça avaliou, não havia como operar a restituição da coisa ao seu primitivo estado, no caso, a mata virgem, pois procedeu-se justamente com a sua derrubada e destruição. Restava consultar as testemunhas que viviam por lá, sendo inquiridas somente aquelas apresentadas por Manoel Pinheiro de Souza. Os quatros depoimentos eram referentes aos seus trabalhadores e agregados que residiam há muitos anos no local. Segundo eles, sempre reconheceram que a posse daqueles terrenos era, na verdade, de Manoel Pinheiro de Souza e não do proprietário embargante. Além disso, todas as testemunhas souberam identificar, consensualmente, por onde se passava o rumo que demarcava as terras de ambas as partes: tratava-se de um “macho de linha” em uma baixada no Alto da Serra. Os agregados sabiam que as terras em questão estavam do lado de Manoel Pinheiro de Souza, sendo aí feitas as derrubadas e roças que foram descritas no início do processo, nunca passando adiante. Luiz Machado de Oliveira acrescentou que viu o marco havia, aproximadamente, sete anos, quando andava caçando por ali. Imprevistamente, quando se deu início à roçada, identificou que aquele antigo marco havia sumido, “mas sabe perfeitamente o lugar em que ele se achava.”[31]

Nas medições ordinárias deviam se colocar marcos nos vértices dos ângulos e, nesses marcos, pedras e árvores que estivessem perto eram instrumentalizadas como sinais demarcatórios. Na falta de pedras grandes e árvores, os marcos poderiam ser feitos de madeiras, fossos ou pequenos montes de pedras. Assim, eram tantos os sinais possíveis que muito provavelmente gerariam confusões. “Com o passar do tempo, ficavam só alguns vestígios de todos esses sinais: restos de uma valeta, de um fosso, ou de um amontoado de pedras podiam indicar um marco; tudo era questão de interpretação” (Secreto, 2001/2012, p. 169-170).

Que melhor estratégia para reconhecer e confirmar os extremos de uma propriedade do que inserir famílias de agregados naquelas regiões? Quando as dimensões das propriedades aumentavam pelas necessidades da produção eram estabelecidas famílias de agregados em pontos isolados da fazenda, que poderiam representar a defesa e a ocupação da terra, instalando-se pequenas casas de pau-a-pique com algumas plantações de mantimentos (Samara, 2005). A figura do agregado representava, para o fazendeiro, as verdadeiras funções de um “marco falante”, substituindo as madeiras e as pedras que geravam bastante confusão (Secreto, 2001/2012, p. 168; Motta, 1996/1998). Segundo Eni de Mesquita Samara (2005), era com o consentimento do fazendeiro que se definia a figura do agregado. Ele conseguia o domínio útil da terra, oferecendo em troca sua submissão e a possibilidade de proteger os limites do patrimônio do proprietário.

Neste caso, o costume se chocava com a pretensão objetiva e “moderna” da lei. Os agregados que viviam na fronteira podiam desmistificar as versões de invasão nas terras do vizinho. A justiça local, não tendo como referendar a verdade nesta discórdia, convocou ajudantes de cordas para realizar uma nova vistoria na propriedade e estabelecer as linhas demarcatórias, no ano de 1859. Não se deram conta, porém, de que os próprios agregados serviam para todo este serviço.

Manoel Pinheiro de Souza contornou a situação na justiça e não foi multado como nos outros casos analisados: foi bastante prático ao recorrer aos seus trabalhadores como estratégia proprietária para defender suas terras disputadas na fronteira. A aplicação da Lei, neste caso, se resumiu a um mero diagnóstico: uma nova vistoria que não iria mudar a dinâmica de apossamento das terras naquela localidade. Era a existência do vizinho que continuava limitando as intenções proprietárias na fronteira e não as punições previstas no código legislativo (Alvarenga, 2019; 2021).

Por outro lado, o contexto pós-Lei de Terras poderia ser aproveitado por pequenos lavradores que quisessem peticionar por suas terras. Neste caso, mobilizar a memória dos agregados na justiça era uma estratégia bastante perigosa para o proprietário. Atos possessórios poderiam ser pleiteados, principalmente em terras negligenciadas por grandes posseiros ou grandes sesmeiros – ou, quem sabe, na figura dos dois numa só pessoa –, como foi possível identificar nos casos anteriores. Estes agregados podiam legitimar suas posses mansas e pacíficas para si, desde que adquiridas antes de 1850 e apresentando ocupação primária, morada habitual e princípios de cultura, elementos expressos no 5º artigo da Lei de Terras de 1850. Nas “fronteiras do poder”, os pequenos lavradores, posseiros e agregados poderiam confrontar os grandes senhores como seus legítimos confrontantes nos juízos municipais (Motta, 1996/1998).

Considerações Finais

Fosse no Vale do Paraíba ou no Oeste Paulista a apropriação da terra e a confirmação do domínio demandou a ação dos “apropriadores”. A fazenda de café foi um espaço vivo e dinâmico, cujos limites geográficos eram o resultado de confrontos cotidianos pela posse da terra e por reconhecimento. Ao nos aproximarmos das relações interpessoais e do cotidiano de relacionamento da vizinhança, foi possível compreender que a propriedade cafeeira foi resultado de uma gama de estratégias proprietárias mobilizadas por proprietários bastante práticos (Congost, 2007; Pedroza, 2020; Alvarenga, 2019; 2021).

Para isso, foi necessário disputar memórias de ocupação e da cadeia dominial (Mota, 2009), ativar relações com os “de baixo” e com os “de cima”, criminalizar atos possessórios concorrentes, disputar a reserva de água, de lenha e de matas virgens ainda preservadas, conservar e construir novas estradas e caminhos, enfim, defender seus direitos de propriedade num contexto de formação de uma vizinhança. Os litígios nos extremos das propriedades focalizaram a fronteira se movendo cotidianamente e como ela foi contestada nos processos judiciais. Utilizando-se de vários estratagemas, os proprietários práticos avaliaram a situação e manipularam-na no desejo de verem suas posses e/ou propriedades aumentadas, mesmo que à revelia da outra parte. A estratégia mais frequente foi justamente reconhecer o outro como um invasor de má-fé, que realizava “atos turbativos” para além dos limites do próprio. O vizinho acusado, neste caso, contornava a contenda quando era encaminhada à justiça para não sofrer penalidades ou multas, bastante comuns depois da promulgação da Lei de Terras de 1850.

Percebemos que pouco importava a materialidade dos marcos divisórios nos extremos das propriedades: interessava apropriar-se de bens na fronteira e reproduzir as atividades produtivas nas terras alheias. Este projeto proprietário, contudo, era limitado pelo vizinho que podia ter as mesmas pretensões (Alvarenga, 2021). A possibilidade de demarcar a propriedade e/ou a posse era uma forma de impor a redefinição das divisas e lutar pelo reconhecimento de um terreno, por onde se extrairia lenha, água e madeiras das matas virgens, valorizando-se a propriedade. Concluímos que nem mesmo a promulgação da Lei de Terras conseguiu controlar o apossamento na fronteira.

As medições e as técnicas utilizadas formavam parte essencial da questão das terras. Os critérios e a metodologia utilizados para as demarcações eram imprecisos. Ao não se revalidar os títulos a partir da lei de 1850, continuou-se a realizar as demarcações utilizando como base as descrições antigas. Como era de se esperar, o tipo de definição dos limites das propriedades gerou muitos conflitos, porque muitas vezes as divisas eram respeitadas e mantidas na base da memória dos habitantes do lugar. Isto não quer dizer que as novas técnicas de medições não fossem empregadas nas demarcações judiciais. De fato, os agrimensores utilizavam o teodolito e os cálculos astronômicos, geométricos e matemáticos, mas estas deviam basear-se nas descrições contidas nos títulos apresentados, e sempre se voltava ao título mais antigo, embora constasse no cartório alguma demarcação baseada no título de aquisição.

Antes de declararem terras nos Registros Paroquiais, estes pretendentes a proprietários tiveram que lidar com os interesses e as ambições da vizinhança para construir seu patrimônio rural. A propósito, a declaração de terras depois da Lei de 1850 foi, na verdade, uma intenção proprietária bastante utilizada para ofuscar conflitos anteriores e até negligenciar os direitos de propriedade de vizinhos, algumas vezes ocultados deliberadamente por não serem reconhecidos como legítimos confrontantes (Motta, 1996/1998, p. 159-187).

Por este motivo, é importante ressaltar que os Registros Paroquiais foram apenas “uma formalidade imposta de cima para baixo”, congelando uma linguagem jurídica que não definia a dinâmica agrária tradicional da vizinhança, que disputava direitos de propriedade a cada palmo de terra. Daí as ambiguidades e imprecisões: muitas terras “medidas e demarcadas” continuavam, na verdade, “unidades e misturadas”, isto é, pro indiviso, entre herdeiros, confrontantes e até com aqueles mesmos vizinhos que conflitaram no passado (Pedroza, 2011, p. 188).

Fontes consultadas

Arquivo do Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (AMJERJ/CCPJ)

Processos cíveis da Comarca de Valença.

Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ)

Livro 88 (1854-1857). Valença: Freguesia Nossa Senhora da Glória.

Centro de Memória da Unicamp (CMU)

Processos cíveis da Comarca de Campinas.

Legislação e outros

Brasil. Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas do Império e Decreto no 1.318, de 30 de janeiro de 1854, que manda executar a Lei no 601.

Relatório do Diretor das Terras Públicas Bernando Augusto Nascente de Azambuja. In: Relatório do anno 1860 apresentado a Assembléa Geral Legislativa na 1a Sessão da 10a Legislatura. Rio de Janeiro, Laemmert, 1861.

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Notas

1 É graduado em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e mestre em História pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente, é doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail para contato: f.m.alvarenga@hotmail.com.
2 É graduada em História pela Universidad Nacional de Mar del Plata, mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutora em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente, é professora titular de História da América na Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail para contato: mvsecreto@yahoo.com.
3 As obras clássicas para este debate, em ordem cronológica de publicação, são: Warren Dean (1971), José Murilo de Carvalho (1974/2014, p. 329-354), Emília Viotti da Costa (1977/1987, p. 139-161), José de Souza Martins (1979/2013), Ligia Osório Silva (1996), Márcia Maria Menendes Motta (1996/1998) e Maria Verónica Secreto (2001/2012).
4 CMU, TJC; 1° Of.; Cx. 133; Processo 2928.
5 CMU, TJC; 1° Of.; Cx. 133; Processo 2928.
6 CMU, TJC; 1º Of.; Cx. 240; Processo 4826.
7 CMU; TJC; 1º Of.; Cx. 137; Processo 2998.
8 CMU; TJC; 1º Of.; Cx. 137; Processo 2998. O negrito é nosso.
9 CMU, TJC; 3º Of.; Cx. 25; Processo 363.
10 CMU, TJC; 3º Of.; Cx. 353; Processo 6586.
11 CMU, TJC; 3º Of.; Cx. 25; Processo 369.
12 Idem.
13 AMJERJ/CCPJ: Nome da parte 1: Antônio Dutra Navarro, Nome da parte 2: Francisco Correia de Azevedo e Antônio Correia de Azevedo. Ação: Cível – Força Nova. Ano do Processo: 1855. Comarca: Valença. Caixa: 1586/D. RG: 015031. Códice: 15822.
14 AMJERJ/CCPJ: Força Nova (Antônio Navarro, Francisco e Antônio de Azevedo), p. 9-9v.
15 AMJERJ/CCPJ: Nome da parte 1: Manoel Antonio Rodrigues Guião, Nome da parte 2: A Justiça, Nome da parte 3: Joaquim Reginaldo de Souza Werneck. Ação: Cível – Libelo. Ano do Processo: 1855. Comarca: Valença. Caixa: 1471. RG: 013938/D. Códice: 14729.
16 AMJERJ/CCPJ: Nome da parte 1: Reginaldo de Souza Werneck, Nome da parte 2: Rafael da Costa. Ação: Cível – Libelo. Ano do Processo: 1834. Comarca: Valença. Caixa: 1517. RG: 014337/D. Códice: 15128.
17 AMJERJ/CCPJ: Nome da parte 1: Manoel Antonio Rodrigues Guião e sua mulher. Ação: Cível – Demarcação. Ano do Processo: 1852. Comarca: Valença. Caixa: 1748. RG: 016739/D. Códice: 17530.
18 Idem, p. 61-63.
19 AMJERJ/CCPJ: Libelo (Manoel Guião e Joaquim Werneck), p. 14-17.
20 Idem, p. 20-21v.
21 Ibidem, p. 37v.
22 APERJ: Livro 88 (1854-1857). Valença. Registro 125, Folha 41v.
23 APERJ: Livro 88 (1854-1857). Valença. Registros 157 e 160, Folhas 48v-49.
24 AMJERJ/CCPJ: Nome da parte 1: Joaquim Gomes de Sousa, Nome da parte 2: Manoel Pinheiro de Sousa. Ação: Cível – Embargo. Ano do Processo: 1857. Comarca: Valença. Caixa: 1607/D. RG: 015220. Códice: 16011.
25 APERJ: Livro 88 (1854-1857). Valença. Registro S/N, Folha 2.
26 APERJ: Livro 88 (1854-1857). Valença. Registro 175, Folha 51v.
27 APERJ: Livro 88 (1854-1857). Valença. Registro 202, Folha 56v.
28 APERJ: Livro 88 (1854-1857). Valença. Registro 199, Folha 56.
29 AMJERJ/CCPJ: Nome da parte 1: Antônia Luisa Nogueira de Miranda e Souza, Nome da parte 2: Barão do Turvo, por si e como Tutor da órfã Altina e outros. Ação: Cível – Libelo. Ano do Processo: 1866. Comarca: Valença. Caixa: 1751/D. RG: 016782. Códice: 17573.
30 APERJ: Livro 88 (1854-1857). Valença. Registro 213, Folha 59.
31 AMJERJ/CCPJ: Embargo (Joaquim Gomes e Manoel Pinheiro), p. 16-20.
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