Dossier
¿Cuáles son los desafíos agrícolas y ambientales en el proceso de introducción de las especies para los monocultivos en Brasil?
What are the agricultural and environmental challenges in the process of introducing species for monocultures in Brazil?
Estudios Rurales. Publicación del Centro de Estudios de la Argentina Rural
Universidad Nacional de Quilmes, Argentina
ISSN: 2250-4001
Periodicidade: Semestral
vol. 11, núm. Esp.23, 2021
Recepção: 07 Setembro 2021
Aprovação: 23 Setembro 2021
Os objetivos de minhas pesquisas, desenvolvidas na última década, foram analisar o processo de ocupação e de transformação do meio natural das áreas onde se encontram as fitofisionomias da Floresta Ombrófila Mista e Floresta Ombrófila Densa, dentro do Bioma da Mata Atlântica, através do viés da História Ambiental. Fatores, alguns que serão pontuados aqui, foram identificados como propulsores da ocupação e da transformação do meio natural, assim como nas relações rurais. É importante destacar que não ocorreram de forma isolada ou especificamente dentro do bioma da Mata Atlântica, tais alterações transpassaram as fronteiras geopolíticas e naturais. A partir desta análise percebeu-se que o desmatamento e a introdução, domesticação e aclimatação de espécies vegetais tem íntima relação com as drásticas alterações ambientais ocorridas especialmente no século XX. Alguns agentes contribuíram para tais alterações, como o desmatamento e a inserção de espécies exóticas, para a prática da monocultura – seguindo o paradigma da agricultura contemporânea.
Os processos de domesticação, aclimatação e disseminação de espécies são muitas vezes catalisados pela ação antrópica e motivada por escolhas. Algumas espécies que foram amplamente disseminadas, foram preteríveis a outras. Existem muitos fatores que contribuem para a escolha de uma espécie em detrimento a outras, sendo esses econômicos, culturais, sociais, naturais, bem como a adaptabilidade, entre outros. Não há de se entender como um processo incauto, sem intrínsecas razões. Na atualidade, as motivações econômicas são a grande responsáveis pela disseminação de espécies, para o cultivo de monoculturas e pelas transformações das relações socioambientais no mundo rural.
A ampliação das práticas de introdução e tentativas de aclimatação de espécies vegetais ocorreu após o processo de colonização da América. Foram muitas espécies introduzidas e aclimatadas com a chegada dos povos europeus na América, modificando de forma mais contundente os biomas aqui existentes. O livro do Alfred Corsby, “Ecological imperialism” (Crosby, 1986) que trata da inserção de espécies na América, mostra que as mesmas serviram como mais uma arma para trunfo da colonização europeia nas “Neo-Europas”. Foram espécies animais, vegetais e microrganismos (doenças), que projetaram para além da fase de ocupação do território, a transformações do meio natural, sociais e culturais, de onde foram introduzidas.
No Brasil, se tratando de espécies vegetais, logo no primeiro século de ocupações por europeus e ainda paralelo ao desmatamento das áreas de Mata Atlântica no litoral, houve a inserção da cana-de-açúcar (Saccharum spp.), que foi uma motriz econômica e que ritmou as relações sociais e culturais do Nordeste brasileiro desde o período colonial.
Com o passar dos anos, foram muitos gêneros vegetais exóticos introduzidos no Brasil. Em menor escala foram introduzidas algumas espécies que não tiveram papel como protagonistas para a exportação, mas tiveram representatividade local e ainda desempenham importante papel social e cultural. Pode-se citar como exemplo a palmeira-de-óleo-africana (Elaeis guineensis Jacq.)[1], matéria prima para a produção de azeite de dendê, disseminada nos neotrópicos como uma das muitas contribuições africanas no nosso continente.
A inibição da produção manufatureira e o estímulo ao fornecimento de matéria prima ao mercado internacional, fez com que a prática exploratória e a agricultura fossem as principais atividades desenvolvidas no Brasil, quando o mesmo estava sob o domínio dos portugueses. A ideia de um novo Éden, argumentada por Sergio Buarque de Holanda em “Visão do Paraiso” (Holanda, 2010), aparecendo a América como “terra dos recursos inesgotáveis”, legitimou a exploração, mesmo sendo um contrassenso, uma vez que os exploradores já se encontravam na fase de diminuição e esgotamento dos recursos naturais, dos locais onde eles advinham.
Os processos de ocupação das regiões fronteiriças do Brasil foram também calcados na lógica de exploração e usos dos recursos naturais. No Sul do Brasil, nas áreas de Mata Atlântica, a floresta densa foi um impeditivo para rápida incursão e ocupação por parte dos europeus, em terras antes habitadas por grupos indígenas das mais variadas etnias. Os próprios elementos geográficos, foram delimitadores de fronteiras ou aterradores frente as ocupações. Assim, o meio ambiente foi conectado aos estudos e às problematizações em torno das fronteiras, tornando-se uma das tendências dentro da historiografia do Oeste, levando as relações entre os seres humanos e o meio natural a um patamar presente nesses estudos. Muitos trabalhos se ocuparam de estudar a ocupação, porém, nem sempre o meio ambiente aparecia como agente ou foco desses estudos. A História Ambiental vem a contribuir tanto para os estudos sobre as fronteiras, como para a História das migrações, assim como, para os estudos sobre ruralidades, trazendo os agentes não humanos à voga para dentro desta discussão.
No Sul do Brasil, as áreas fronteiriças e ao Oeste eram ocupadas pelas florestas e habitadas pelos grupos indígenas, e receberam migrante/imigrantes de ascendência europeia no século XIX e início do século XX. A ideia de ocupar as áreas de fronteiras para manutenção do território, esbarravam na amalgama de dificuldades, das quais estavam o próprio meio natural, por conta de rios, planaltos ou densas florestas. O desmatamento de áreas florestais era uma promessa para que pudessem se instalar grupos com as ditas vocações agrícolas, foram abertas as áreas para as práticas dessas atividades, assim como, foi-se desmatando para abertura de vias de rodagem, visando escoar os gêneros produzidos. As áreas florestais do Sul do Brasil foram sucumbindo aos desmatamentos, à agricultura e posteriormente à prática da monocultura.
Uma série de fatores contribuíram e impulsionaram para a ascendência da monocultura. Dentro desse pacote conta-se com a tradição ao incentivo à agricultura em grande escala, voltada para exportação e influência da Revolução Verde. Desde o início da Guerra Fria, após o término da Segunda Guerra Mundial, foram muitos os planos e ações dos Estados Unidos voltados para a América Latina. Incluía-se o sistema de investimento e subsídio de aporte tecnológico visando o desenvolvimento econômico a partir da grande produção agrícola. A agricultura praticada pelo campesinos estava fora do foco.
A legislação do Brasil no período da ditadura civil militar[2], buscava estratégias para a modernização da produção agrícola, através de programas que obtivessem recursos para tais práticas. É importante observar que os incentivos eram voltados principalmente para a produção de gêneros agrícolas com potencial de exportação, extração de espécies madeiráveis e de minérios com alto rendimento. Os gêneros considerados com pouco valor ou não reconhecido internacionalmente, receberam parcos ou nenhum suporte direto por parte dos governos; ficaram à periferia dos processos de modernização. Assim, retorna-se ao início desse texto, e entende-se como algumas espécies foram intencionalmente introduzidas em solo brasileiro, receberam incentivos para sua produção e passaram a ser produzidas no formato de monoculturas em grande escala.
Na pesquisa que desenvolvi durante o meu mestrado, analisei a introdução do Pinus spp. no planalto catarinense (Moretto, 2010). O Pinus ssp e o eucalipto foram espécies escolhidas para a prática de “reflorestamento” em áreas antes ocupadas pela floresta nativa e estão presentes em todos os biomas brasileiros. O termo reflorestamento, colocado aqui entre aspas, é pelo fato dessas espécies não cumprirem o papel de uma recomposição florestal, mas sim de serem introduzidas para suprir o setor madeireiro – foi praticado o monocultivo de espécies madeiráveis. Ainda, ao serem introduzidas em ecossistemas variados no Brasil, são potencialmente prejudiciais ao meio ambiente por várias razões, dentre elas pode-se constar a aceleração do esgotamento do solo, principalmente quando não existem os devidos cuidados para a sua implantação. A exemplo do Pinus spp, que tem suas sementes dispersas pelo vento (anemocóricas), há uma dificuldade no controle da propagação e se tornam exóticas invasoras em diversos ecossistemas. Como suas sementes podem se dispersar por centenas e até milhares de metros, acabam se espalhando e ocupando o espaço de outras espécies nativas.
Dentro desta perspectiva de apostar em espécies que seriam lucrativas e em resposta às necessidades do mercado internacional, houve a introdução e um estímulo à produção da soja (Glycine max) – lógica que se insere nas minhas pesquisas mais recentes[3]. O grão que servia como alimento periférico nas dietas e complemento para ração animal, se tornou na atualidade uma moeda de troca e a espécie exótica presente em todos os biomas brasileiros. Dados recentes divulgados pela da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRABA Soja[4] mostram que em 2020 o Brasil ultrapassou o Estados Unidos e se tornou o maior produtor mundial de soja, com a produção anual de 124,845 milhões de toneladas, ficando os Estados Unidos em segundo lugar com uma produção 96,676 milhões de toneladas. No Brasil, a produção de soja está concentrada em maior número nos biomas do Cerrado e Mata Atlântica, que estão sofrendo perdas ambientais irreversíveis.
Tanto a monocultura de Pinus spp, quanto a produção da soja, se tornaram um mercado lucrativo para as grandes empresas que fornecem as mudas, no caso do pinus, e grão, no caso da soja. Ambos agregam um pacote à sua produção, que vai muito além do fornecimento de mudas e grãos por multinacionais – há uma série de insumos essenciais que são imprescindíveis para a produção das monoculturas de gêneros como a soja. Os problemas sociais gerados pela ampliação dos grandes produtores frente à agricultura familiar e aos pequenos campesinatos, geram maior concentração de renda e aumento da pobreza. Além disso, tem-se também a descaracterização de ecossistemas e a diminuição dos recursos naturais que eram utilizados como itens de subsistência para as populações tradicionais e grupos indígenas.
Quando analisadas as transformações ambientais e os problemas acarretados com a introdução dessas exóticas voltadas à prática da monocultura, pode-se elencar uma vasta lista. Os danos iniciam com perda da biodiversidade, diminuição da fauna nativa, diminuição de uma agricultura variada, impedimento da recomposição florestal original, até os problemas químicos mais graves, causados pelo uso de agrotóxicos, degradação do solo, contaminação de aquíferos, entre outros grandes impactos.
Estudar esse processo de ocupação e transformação do meio natural, assim como entender como o mesmo está atrelado à introdução de espécies exóticas e à prática da agricultura monocultora em larga escala, pode contribuir para a medição dos danos causados ao meio ambiente e a medir nossa ecological footprint. Os estudos sobre o mundo Rural e sobre as transformações nas relações na ruralidade, vem auxiliar no mapeamento não somente as perdas e danos do meio ambiente, mas em promover caminhos visando possíveis práticas voltadas para a conservação e preservação da biodiversidade.
Referências
Crosby, A. (1986). Ecological Imperialism: the biological expansion of Europe, 900-1900. New York: Cambridge University Press.
Holanda, S. B. (2010). Visão do paraíso: os motivos edênicos no descobrimento e colonização do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.
Moretto, S. P. (2010). Remontando a floresta: a implementação do Pinus e as práticas de reflorestamento na região de Lages (1960 - 1990). 281 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis. Disponível em: http://www.tede.ufsc.br/teses/PHST0371-D.pdf
Watkins, C. (2020). Palmeiras Africanas em Solos Brasileiros: Transformação Socioecológica e a Construção de uma Paisagem Afro-Brasileira. Historia Ambiental Latinoamericana Y Caribeña (HALAC) Revista de la Solcha, 10(1), 150-193. https://doi.org/10.32991/2237-2717.2020v10i1.p150-193
Notas