Dossier

¿Cómo la historia puede ser revelada a partir de la observación de paisajes socioecológicos?

How can history be revealed from the observation of socio-ecological landscapes?

Rogério Ribeiro de Oliveira
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil

Estudios Rurales. Publicación del Centro de Estudios de la Argentina Rural

Universidad Nacional de Quilmes, Argentina

ISSN: 2250-4001

Periodicidade: Semestral

vol. 11, núm. Esp.23, 2021

estudiosrurales@unq.edu.ar

Recepção: 05 Julho 2021

Aprovação: 06 Setembro 2021



Existem duas palavras que dificilmente se escuta da boca da gente do campo: natureza e paisagem. De fato, dentro da ampla riqueza vocabular dos camponeses do Sudeste brasileiro, esses dois assuntos parecem não fazer parte de suas ricas conversas. E isso é paradoxal, na medida em que suas vidas se encontram imersas naquilo que muitos de nós chamamos de natureza, mundo natural ou paisagem. De certa forma estes conceitos parecem coisas completamente obvias, corriqueiras e usuais. Mas não o são. Será que em outras visões e culturas estas palavras não fazem sentido?

A concepção de paisagem usada por um sem número de disciplinas é muito variada, afinal são muitos os seus campos semânticos, de acordo com o caminho disciplinar que se trilhe. O conceito “paisagem” comporta diversas definições, dentre elas aquela que a considera como o espaço em que as atividades humanas são realizadas e através das quais os indivíduos se reconhecem e reconhecem seu mundo dentro de regras e significados culturalmente estabelecidos (Hodder & Hutson, 2003).

Essas concepções não nos aproximam do entendimento do paradoxo acima colocado: quem mais vive no ambiente natural não o reconhece como paisagem ou como natureza. Por que será? Talvez porque esses ambientes não têm, sob a visão de seus habitantes, qualquer traço de abstração ou generalização próprias da visão acadêmica. São percebidos por seus habitantes como lugares concretos, que têm dono, nome e história. São, por assim dizer, territórios. Não necessariamente territórios de poder ou de força, mas de uso, de trabalho, de subsistência. São espaços vitais para essas populações. E esse uso confere, muito mais do que a propriedade, o sentimento de identidade. São lugares onde essas pessoas desenvolvem suas vidas. A toponímia muitas vezes é própria e local e explicita esse sentimento de uso. Por exemplo, nas florestas do Maciço da Pedra Branca, localizado na cidade do Rio de Janeiro, as furnas e abrigos de rochas todos têm nome: Toca Santana, Gruta da Maluca, Toca da Onça, etc. Perdidas no meio da floresta, estas conformações geomorfológicas representam abrigo tanto para caça quanto para os caçadores, especialmente os do passado.

Usos de espaços florestados não é algo recente, ou contemporâneo. Os espaços interioranos (sejam campos ou florestas) contêm uma forte historicidade. Mas, geralmente, são de baixa expressão no que se refere à presença de uma cultura material rica, evidente ou conspícua. De uma maneira geral, não se encontra no Sudeste Brasileiro um acervo arqueológico muito significativo de construções sejam elas ruínas ou caminhos. Na maioria das vezes essa história passa ao largo das fontes habituais da História como relatos, inventários, certidões, registros, etc. Tratam-se, em seu conjunto, de histórias de populações vencidas, muitas vezes silenciadas e conhecidas apenas nos seus lugares e regiões e subsiste por meio de relatos orais.

Temos, por outro lado, uma história do vencedor, bem nutrida por inúmeras fontes convencionais. Trata-se de uma vertente em que grande parte do protagonismo é do empreendimento colonial. A natureza é vista como mercadoria, onde a produção para a exportação é o grande objetivo. Em um outro extremo existe uma história independente ou subjacente à história do vencedor, a história do vencido, cuja principal fonte documental é a própria paisagem.

No caso da Floresta Atlântica[1], cuja ocupação humana data de milhares de anos, um longo histórico de transformação de suas condições ambientais traduz a forma com que suas populações (sejam sambaquieiros, grupos ceramistas nativos, europeus ou populações africanas escravizadas) interagiram ou interagem com o ambiente ao longo do tempo. Assim, muito do que alguns hoje compreendem por natureza “intocada” constitui, na verdade, um mosaico ecológico de usos pretéritos para a subsistência de populações que se sobrepõem com maior ou menor frequência (Balée & Erickson, 2006). O território da Floresta Atlântica foi e, em parte ainda é habitado por muitos destes grupos, hoje denominados genericamente como populações tradicionais, como as comunidades descendentes de etnias indígenas, populações miscigenadas, remanescentes de quilombolas, roceiros ou grupos descendentes de imigração mais recente.

Segundo Pádua (2010), as formações da natureza podem ser entendidas como configurações momentâneas de uma história de mudanças ao longo do tempo. A visão da história ambiental ajuda a introduzir a variável temporal nesta visão, bem como a reconhecer o fator humano nas paisagens. O paleoterritório (sensuOliveira 2015) é a fase antrópica dos processos bióticos e abióticos que condicionam o processo de regeneração das florestas, onde as populações desempenham um papel decisivo, deixando marcas visíveis na paisagem até o presente.

De acordo com Ruiz, Oliveira e Solórzano (2017) há inúmeras evidências de usos anteriores dentro da floresta hoje, alguns ocultos (por exemplo, enterrados ou sob a serapilheira), outros apenas visíveis ao olho especialista do botânico (por exemplo, espécies de plantas e seus estágios sucessionais) ou do arqueólogo (por exemplo, macro e micro vestígios). Este conjunto de evidências torna essas populações e seu cotidiano mais presentes no universo acadêmico, aproximando-o de suas culturas.

Talvez um bom exemplo desta invisibilidade seja o trabalho escravo, um dos pilares da formação econômica do Brasil. Os africanos e seus descendentes estabeleceram várias relações com a floresta, entre elas, o uso ritual de árvores e outras plantas, adaptando as espécies nativas às de seus países de origem (Svorc & Oliveira 2012), utilizando a madeira para construção de instrumentos musicais como tambores, ou como esconderijo para os que fugiam (quilombos) de onde realizavam transações comerciais com lenha ou carvão de forma informal e quase invisível com o resto da sociedade, mesmo após a abolição da escravatura em 1888.

Algumas das evidências dessa influência nas florestas atuais são a existência de algumas plantas rituais como o "comigo-ninguém-pode" (Dieffebachia amoena (Jacq.) Schott) ou árvores que se destacam do restante da população de plantas devido ao seu de grande porte como as figueiras (Ficus spp.), consideradas sagradas tanto pelas religiões de origem africana como pelas tradições judaico-cristãs.

As paisagens estão em constante mudança. Atualmente as áreas protegidas que podem dar a aparência de floresta intocada, ainda são objeto de usos turísticos, por exemplo. Reconhecer que as florestas estão impregnadas de história e de trabalho humano permite refletir sobre as transformações da paisagem e suas consequências ecológicas. Não reconhecer o trabalho impresso nas paisagens pode ser um ponto de distanciamento entre acadêmicos e os habitantes do campo. Ao substituirmos o vocábulo paisagem por trabalho podemos nos aproximar mais dessas pessoas. Reconhecer o valor histórico de um determinado ambiente natural como local de trabalho vai ao encontro de se reafirmar a identidade dos habitantes locais e aprender as lições do passado, abrindo novas perspectivas para as medidas de conservação e restauração.

Referências

Balée, W., Erickson, C. L. (2006). Time and complexity in Historical Ecology. Studies in the Neotropical Lowlands. New York: Columbia Univ. Press.

Hodder, I., Hutson, S. (2003). Reading the past: current approaches to interpretation in archaeology. Cambridge: Cambridge University Press.

Oliveira, R. R. (2015). Fruto da terra e do trabalho humano: paleoterritórios e diversidade da Mata Atlântica no Sudeste brasileiro. Revista de História Regional, 20 (2), 277-299. https://revistas2.uepg.br/index.php/rhr/article/view/8086/4813

Pádua, J. A. (2010). As bases teóricas da história ambiental. Estudos Avançados, 24(68), 81-101. https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/10468

Ruíz, A. E., Oliveira, R. y Solórzano, A. (2017). Buscando la Historia en los Bosques: el papel de los macrovestigios y de la vegetación en la Mata Atlántica. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science, 6(1), 163-182. https://doi.org/https://doi.org/10.21664/2238-8869.2017v6i1.p163-182

Svorc, R. C. y Oliveira, R. R. (2012). Uma dimensão cultural da paisagem: biogeografia e história ambiental das figueiras centenárias da Mata Atlântica. GEOUSP: espaço e tempo, 32, 140-160.

Notas

[1] Trata-se de um bioma que recobre praticamente todo o litoral do país, dos estados do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul. Atualmente sua área é de 140.000 km², o que corresponde a 12,5% de sua área original.
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